2

3.2K 210 6
                                    


PPor que não aceitou o convite dele? – foi com aquela pergunta que eu acordei na manhã seguinte. Os raios finos do sol ultrapassaram a cortina. O clima estava bem gelado com a chegada do inverno e pairava sobre o ar um cheiro úmido de folhas que apodrecem no gramado. Pensei em Pati, no bar, nos copos que havia deixado pendurados sem guardá-los, na cara que Júlio me olharia hoje e, também por um breve segundo pensei no desconhecido com nome de John. No beijo, na sua mão quente, no quanto ele tinha mexido comigo. Ao pensar nele meu coração disparou.

Em questão de minutos, eu estava de pé, desço as escadas devagar e procuro por minha mãe. Ela devia estar na terapia. Com muito custo eu tinha a convencido que frequentar um grupo de terapia, era uma maneira de ajudá-la e de fato vinha ajudando-a, e muito. Agora eu podia passar mais tempo fora de casa sem que ela me ligasse de minuto em minuto, choramingando, o que me fazia largar tudo e voltar logo para casa, minha vida girava em torno da minha mãe e eu sabia que uma hora isso tinha que mudar, estava mudando, devagar, mas eu sentia que estava. Por fim ela não parecia mais chorar por Shelen. Ela dizia que em alguns dias estaria bem e que depois não precisaria ir para a terapia, até lá eu insistiria para que ela continuasse. Talvez, um dia desses qualquer eu até possa ir com ela. Eu passava as noites fora. Trabalhando. Ela ficava em casa sozinha, a TV era sua única companhia e ler era sua grande paixão. Passava horas folheando as revistas que papai trazia do escritório. Meu pai não tinha vocação para leitura. Mas para números, ele era incrivelmente extraordinário. Apesar de eu ter descoberto em seus pertences uma coleção infinita de gravuras, imagens pintadas à mão por ele na adolescência. Nunca tive certeza se ele se orgulhava daquilo, pois ele quase nunca demonstrava emoções. Até brigou comigo quando corri para mostrar as imagens à minha mãe. Arrancou-as da minha mão e pediu para que eu nunca mais fosse enxerida. E eu respeitei! Nunca mais toquei no assunto. Acho que meu pai não é feliz com suas escolhas. No entanto, sei que ele nunca seria capaz de admitir.

À noite, quando já estou cansada, tento manter meus olhos bem abertos. Depois de tantos copos e garrafas recolhidas, olho muitas vezes no relógio, esperando que ele fosse voltar, quem sabe ele quisesse me levar em casa de novo, só que ele não apareceu. Júlio não estava com uma cara muito simpática, então fiquei na minha e a cada segundo ele me olhava de esguio. Pati também não apareceu, o que me causou estranhamento. Ela vinha todas as noites, praticamente todas quando não estava namorando, por vezes, até trazia seu trabalho para o bar. Bem, isso significava que ela e José estavam mesmo dormindo juntos.

De repente me transportei para o tempo da faculdade, em Santa Maria, exatamente na noite que conheci Henry. Talvez ele tenha sido meu primeiro amor. Nós éramos muito jovens e desejávamos aproveitar cada segundo que a vida nos dava; pulsava em meu corpo um desejo que eu desconhecia. Ele fazia de tudo para ser romântico. Aquela noite deixou em mim fortes lembranças, pois foi o dia em que fiz amor pela primeira vez, eu tinha dezenove anos e foi incrível deitar sobre a luz do luar. Os olhos dele me olhavam com fervor, os lábios quentes prontos para tocar o meu, ele me desejava e isso teve um efeito sobre mim. Por um tempo eu tirei notas tão baixas que a diretora estava a ponto de me mandar para casa. Ela dizia que eu tinha que superar todo acontecimento e me dedicar aos estudos, pois eu era uma aluna com notas boas na escola e isso não devia mudar. Ela só esquecera-se de uma coisa. Eu tinha perdido minha doce irmã, e também perdera minha mãe pela tristeza que tinha invadido sua vida. Como Henry era centrado e inteligente, me ajudou. Os dias na faculdade tornaram-se mais interessantes e o vazio que eu sentia aos poucos foi sendo preenchido, havia encontrado um motivo para continuar sonhando. Houve alguns dias em que eu pensei em voltar para casa e ficar perto do papai e da mamãe, sabia que eles precisavam muito de mim. Depois da morte de Shelen eu também precisava desesperadamente deles! Foram dias longos longe de casa. Mas eu tinha me apaixonado e isso me ajudou a não perceber o tempo passar. Foi quando terminamos a faculdade que tudo mudou. Henry voltaria para casa dele e eu para a minha. E foi no nosso baile de formatura que ele me pediu em casamento, não pude aceitar claro. Fiquei atônita com o pedido; como se ele estivesse tirando meus sonhos. Como assim casamento? Não, eu não podia me casar naquele momento. Achei que pudesse ser loucura após ingerir alguns litros de álcool, então não levei a sério tal pedido que foi reforçado no dia seguinte. Ele iria assumir a administração da fábrica de porcelanas da família. Prometemos que iríamos nos ver, e isso seria toda semana, e que se pudéssemos estaríamos juntos todos os dias. No começo Henry vinha a cada dois dias, depois passou a vir apenas nos finais de semanas. Quando ele passou mais de um mês sem vir eu fui visitá-lo no natal, e depois nunca mais voltei lá. Não sei por que não voltei? Minha mãe e eu tínhamos nos aproximado tanto que não sobrou espaço para ele. Por um tempo, muitas vezes me perguntei se realmente o amava. Mas a pergunta nunca era respondida. Eu até o procurei. Tentei fazer dar certo, apesar da distância. Só percebi que havia perdido no último encontro, nosso beijo foi diferente e nossos olhos perderam-se um do outro. Foi aí que decidi então não procurá-lo e nem telefonar, e nem eu, e, nem ele teve qualquer reação.

Como não te AmarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora