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A casa passava dias fechada, o cheiro de mofo estava impregnado, foi quando voltei da faculdade que fiz o que era preciso, pois no que eu tinha percebido minha mãe só se afundará ainda mais em tristeza e eu estava disposta a fazer tudo por ela. Se eu não fizesse, quem faria?
Meu pai tornou-se um homem amargo e toda noite chegava tarde e nem falava com ela. Talvez tenha arrumado uma amante. Foi o que pensei. Os dois não saíam mais de mãos dadas para aqueles jantares finos que ele costumava levá-la ao menos uma vez na semana. Isso talvez nunca mais aconteça. Era difícil sorrir diante de tanta tristeza que habitava aquele lar que parecia tão estranho. Visualizei toda sujeira e bagunça, joguei algumas peças de roupas fora, queimei revistas e jornais velhos, pus as cobertas no sol e abri as janelas até colarem na parede. Fiz uma limpeza que durou mais de uma semana, minha mãe ajudou no que pode, papai olhava de canto quando chegava tarde e eu ainda estava lá com um pano esfregando a parede, o chão, o azulejo... Por fim coloquei tudo em ordem. Os dias foram passando, os meses também, até que meu pai começou a jantar em casa, a trazer pães frescos para o café da manha. Uma coisa eu não tinha o convencido de tirar, a barba, mesmo lhe dizendo que poderia rejuvenescê-lo alguns anos.

- Samantha. - a voz dele é grossa, parecia bravo. - Onde colocou meus discos?

- Ha, é isso. Os coloquei no escritório papai. Eu sei que o senhor gosta muito deles, então eu os coloquei em uma caixa de veludo, livrando-os do mofo.

- Obrigado, mas preferia-os aqui na sala. - ele não dava trégua.

- Pai, a sala é pequena e a TV que comprei para mamãe ocupou quase todo o espaço do móvel, então seus discos estão bem guardados no seu devido lugar. - digo firme, tentando fazer com que ele me tivesse como uma aliada a ele e não como uma intrusa.

- Tudo bem. Deixe-os lá. Tudo bem. - Tudo b... - ele ficou repetindo.

Foi assim desde que tudo mudou, a minha vida parecia estar de ponta cabeça. Minha mãe vivia dizendo que uma hora eu me encontraria, ela havia melhorado muito com minha presença, estava mesmo fazendo bem para ela e ter que deixá-la não parecia à coisa mais certa.

As meninas da faculdade estavam seguindo cada uma sua carreira, quando eu conseguia ir à cidade eu sabia dos acontecimentos, outras vezes Pati fazia questão de contar, talvez para que eu visse o que estava perdendo. Umas até casaram, cheguei a receber convites, mas não fui a nenhum deles. Não sei por que não fui? Simplesmente eu não ia.

Ao chegar a casa naquela tarde, após caminhar duas horas pelo mercado com minha mãe, troquei de roupa pelo pijama listrado da Shelen, é eu usava sim, peguei um pote de sorvete e me joguei no sofá, era segunda-feira e eu estava de folga.

Quando me dou conta já se passaram dois anos.

Abro a janela e sinto a brisa fria do vento e vem um cheiro de alecrim, ouço um ruído de música, distante, deve estar rolando alguma festa na vizinhança. Algumas vezes quando volto tarde do trabalho, posso ver de onde vem o barulho, é da casa de Levi, e me ocorre um desejo súbito de ir até lá. Esses ápices de desejos, no fim me fazem entender que aquele não era o meu final feliz... quer dizer eu nem acreditava mais em finais felizes.

Enquanto caminho pelo quarteirão nebuloso os pingos fracos da chuva que caíra mais cedo, sujava meu sapato bege. As pessoas pareciam ter sido sucumbidas de uma hora para outra. Passava um pouco das sete horas quando entrei no bar, no balcão estava Júlio, servindo os drinques com aquela cara feia de sempre, o cumprimento ao atravessar o salão e entro no banheiro que já cheirava mal, fecho meu nariz com a ponta dos dedos e troco de roupa ligeiro. Antes dou uma sacudida no uniforme, visto a mini saia preta e a camiseta verde que de tão justa amassa meus seios, contra minha vontade. Não queria que me achassem exigente, por isso eu nunca havia reclamado do quanto era curto e indiscreto, era o tipo de roupa que eu não usaria nem mesmo em casa, entretanto, eu precisava daquele emprego, no que parecia ninguém estava disposto a dar emprego a uma pessoa que nunca tinha trabalhado na vida, então, eu não podia reclamar.

Como não te AmarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora