Capítulo 28

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Uma das coisas que aprendi desde cedo é o seguinte fato: por mais charme e simpatia que tenha um indivíduo, é impossível ele conseguir agradar a todos. Desde criança, sempre fui mais calada, sem expressar muito a minha opinião.

Logo, quanto menos eu apontava e falava sobre os defeitos das pessoas, mais elas ficavam confortáveis, relaxadas. Dessa forma, deixavam escapar suas fraquezas para mim. 4

Infelizmente, existem indivíduos tão observadores como eu, ou mais preparados para lidar com as várias faces do relacionamento humano. Era esse tipo de sujeito que eu não conseguia conquistar.

Quando criança, havia as tias de Leona, velhas ricas e viúvas que odiavam a menina linda, humilde e tímida. Na vida adulta, já em Recife, podia ver claramente esse comportamento a se repetir.

Na mesma medida em que eu havia dominado Henrique e despertado o interesse de Fernão, igualmente tinha angariado a antipatia de Maria Cecília e a absoluta desconfiança de Hilda. A gordinha era o menor dos problemas, pois ela era como um chihuahua que só treme, late e incomoda os vizinhos. A minha sogra, porém, poderia ser realmente perigosa.

Nunca quis enfrentar Hilda diretamente e sempre procurei voar abaixo do seu radar. Desde o princípio, havia percebido que ela procuraria um único motivo plausível para tentar tirar-me da sua família.

Henrique e seu desequilíbrio, infelizmente, havia se tornado a razão para minha sogra tentar me limar dos jantares da família Alencar.

O calçadão das praias da Zona Sul passava à minha visão apenas como um vulto. Nem mesmo os belos edifícios à beira-mar me chamavam a atenção. Estava no banco de trás de um táxi, rumando para a morada da minha sogra na Reserva do Paiva.

Obviamente, não atravessei a cidade naquele carro, pois minha verba estava bem curta. O jeito, portanto, foi ir até uma das praias vizinhas de ônibus e descer em algum ponto de táxi. De lá, poderia seguir sem maiores custos naquele veículo até o meu destino.

De qualquer modo, nenhum transporte público passaria pelo bairro planejado do Paiva. Ainda, seria humilhante permitir que Hilda me visse chegando a pé e suada até a sua residência. Ao menos um mínimo de dignidade eu queria preservar.

A portaria de sua mansão liberou a entrada do táxi sem maiores empecilhos. O veículo parou a frente da fachada que, na primeira vez, tinha me arrebatado. Aquela opulência, contudo, parecia-me quase ameaçadora naquele momento, como um sentimento de opressão que eu não conseguia identificar corretamente.

Paguei a corrida e desci. O táxi já se afastava quando uma das empregadas me recebeu, avisando-me que Hilda esperava-me para tomar um chá nos jardins atrás da casa.

Segui aquela mulher uniformizada pelo salão de entrada. Depois, atravessamos a cozinha e saímos pelos fundos. Mais atrás, um espaço que eu não havia visitado ainda. Pequenas árvores circundavam um espelho d'água, com alguns patos nadando distraidamente.Havia uma pequena ponte de concreto, com dois metros de comprimento, que nos levou a uma ilhota ao centro daquelas águas. Lá no meio, um teto de madeira suspenso por colunas, como um pequeno coreto. Ao centro desse abrigo, dois divãs e uma mesa com cadeiras.

Minha sogra já me esperava à mesa. Hilda ergueu o seu rosto, dando-me o seu sorriso suave de sempre. Retribuí com a mesma expressão, sentando-me à mesa junto com ela.

– Aceita uma água, meu amor?

– Sim. Com gelo, limão e hortelã.

Ela deu uma risadinha, acenando para a empregada. Quando a trabalhadora se afastou, Hilda voltou-se para mim.

– Por favor – dizia minha sogra –, peço desculpas pelo modo como falei com você ontem. Estava estressadíssima.

– Não tem problemas, senhora. Todos nós temos dias ruins.

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