Capítulo 11

3.9K 363 125
                                    

Naqueles quase dois meses que eu estava em Recife, pude perceber como os grandes prédios modernos dividiam espaço com os casarões históricos da época dos senhores de engenho de açúcar.

Dentro do táxi, pude notar que essa característica era mais presente na Avenida Rui Barbosa. Lá, mansões históricas restauradas apresentavam-se ainda tão imponentes quanto na época de suas concepções. Tudo cercado de muitas árvores altas e centenárias.

No meio da avenida, o táxi dobrou para o lado ao fim do muro de um condomínio. Seguimos por uma simpática e ligeira elevação de pedras portuguesas. À nossa frente, uma grade negra e alta de barras grossas, com plantas enroscadas entre os vãos. Aquele casarão de eventos estendia-se por todo um quarteirão.

Paguei a corrida e abri a porta do táxi. Assim que meu pé direito tocou o chão, senti um arrepio. Ergui-me para sair do veículo, e o vento noturno abraçou-me. Não senti frio, pois a excitação aquecia o meu corpo. Discretamente, inspirei fundo o ar daquela noite, preparando-me para desfilar em direção à recepcionista da festa.

Nos portões do casarão, uma mulher deu-me boa noite. Antes mesmo que ela perguntasse, estendi-lhe o convite. Como mera formalidade, a jovem na entrada perguntou o meu nome.

– Amarílis Batista Ferraz – falei.

Como sobrenome, deveria usar o da família de Leona. Como nome, porém, decidi pegar mais um do meu jardim.

Após passar pelos portões, adentrei um pátio imenso. Caminhava calmamente, olhando para frente, como se aquela paisagem fosse algo comum do meu dia a dia. Em meu interior, contudo, ainda era a pequena garota caipira que passava as tardes a observar da varanda de sua humilde casa as casas de elite lá no alto de Garanhuns.

Prossegui por uma pequena estradinha. Em cada canto do pátio, um pequeno aglomerado de árvores. Entre estas, bancos de pedra esculpida rodeados por flores. No meio do caminho, havia uma casa histórica preservada, que agora servia como uma recepção daquela casa de eventos.

Após atravessar aquela recepção, cheguei aos fundos. De onde estava, já ouvia o barulho da festa. A música tornava-se mais presente. A parte de trás do terreno abriu-se aos meus olhos, e senti-me como em outro lugar totalmente diferente.

Ao meu redor, lâmpadas grandes adornadas com pétalas de vidro, formando rosas. Em toda a parte, toldos erguidos para proteger do sereno os grupos de mesas. Circundando as barras de ferro desses toldos, rosas brancas com talos amarrados uns aos outros.

Logo após a parte dos convidados, um palco circular com cinco metros de diâmetro. Era coberto por uma abóbada feita de vidro e ferros retorcidos a formar desenhos de plantas e rosas. Esta construção era sustentada por colunas igualmente brancas, onde estavam amarrados, de modo quase invisível, refletores a apontar para uma orquestra de jazz.

Mais à esquerda, havia a área do bufê, onde os convidados mais famintos degustavam pequenas porções de pratos mais elaborados e rebuscados do que uma estátua neoclássica. Não sentia fome. A minha satisfação vinha de algo maior; de tudo aquilo que me rodeava.

Um garçom passou por mim, oferecendo várias taças com muitas opções. Escolhi uma com água com gás, por sua semelhança com o champanhe à noite. Queria fingir beber como os outros, contudo não queria perder o domínio absoluto de minhas ações por conta do álcool.

Enquanto hidratava a minha garganta, meus olhos passeavam pelo local como um felino caçando na savana africana. Deparei-me com alguns rostos que pude reconhecer das colagens do meu caderninho de ricos e famosos. Muitos outros, entretanto, eram inéditos para mim.

Minha amiga loiríssima tinha razão; a parte rica da sociedade realmente vivia num apartheid voluntário com relação ao resto da população. Todos esses privilegiados frequentavam apenas os seus círculos íntimos, nunca deixando pessoas como eu se aproximarem.

CobiçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora