Chapter 09

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François era rigoroso. Exigia pronta obediência, mesmo que precisasse usar o chicote. Já Dave, bastante experiente naquele serviço, unhava o traseiro de Buck, a cada erro que ele cometia. Spitz, também muito experiente, ia à frente dos demais puxadores, só que, assim não conseguia manter Buck ao seu alcance. Mas gania, reprovando-o frequentemente, e muito esperto, jogava seu peso no tirante do carro para obrigá-lo a seguir o caminho correto. Sob a instrução de François e de seus dois parceiros, Buck aprendia com facilidade e fazia admiráveis progressos. Quando retornavam ao acampamento, já sabia que deveria parar ao comando de ôôô! e aprendera que deveria seguir adiante quando escutasse mush! Ensinaram-lhe também a fazer uma curva e a manter distância do cão à sua frente quando, na descida de um declive, precisasse escorar o peso da carga nos calcanhares.

-São três cães bons! -elogiava François para Perrault.

-Esse Buck aprende bien e trés vite! Rápido!Ensino a ele tudo, ele aprende tudo!
Perrault tinha pressa em pôr-se a caminho com seus despachos e, assim, à tarde voltou com mais dois cães. Billie e Joe eram seus nomes, dois irmãos huskies puro sangue. Eram filhos da mesma mãe e, entretanto, tão diferentes quanto o dia da noite. O único defeito de Billie era sua natureza excessivamente boa, enquanto Joe, ao contrário, era amargo, introspectivo, sempre rosnando, com maldade no olhar. Buck recebeu-os amigavelmente, Dave ignorou-os e Spitz pegou a mania de surrar primeiro um e depois o outro. Billie apenas balançava o rabo pacificamente. Mas, quando notou que bons modos não adiantavam nada, passou a fugir e a choramingar, sempre passivo, quando sentia os afiados dentes de Spitz nos seus flancos.
Joe enfrentava todos os ataques de Spitz. Seus pêlos eriçavam-se, jogava as orelhas para trás, rosnava e estremecia os lábios, deixando à mostra as mandíbulas, que mordiscavam freneticamente, enquanto seus olhos ganhavam um brilho diabólico. Seu medo transformava-se em pura ferocidade, tanto que Spitz frequentemente desistia de discipliná-lo e partia para cima do alegre e inofensivo Billie, afugentando-o para os confins do acampamento.
À noite, Perrault arranjou mais um cão, um velho husky comprido, magro e capenga, com cicatrizes no rosto ganhas em antigas batalhas e um único olho flamejante, prova de façanhas que impunha respeito aos demais. Chamava-se Sol-leks, que significa cão zangado. Assim como Dave, nada perguntava, nada dava nem esperava; e quando marchava lentamente, de propósito, entre os outros, até Spitz deixava-o em paz. Ele possuía uma peculariedade que Buck teve a infelicidade de descobrir. Sol-leks não gostava que se aproximassem dele pelo lado cego. Foi assim que, involuntariamente, Buck provocou-lhe uma reação violenta, Sol-leks avançou sobre ele e abriu-lhe um rasgão bastante fundo, de oito centímetros, no ombro. Daquele dia em diante, Buck evitou repetir o erro, e não tiveram mais problemas de relacionamento. Assim como Dave, tudo o que ele queria era ser deixado em seu canto. Entretanto, como Buck aprenderia bem mais tarde, eles possuíam outra ambição, muito mais vital.

O Chamado SelvagemWhere stories live. Discover now