Chapter 06

133 9 0
                                    

À medida que se passavam os dias, outros cães iam aparecendo, ou enjaulados ou amarrados por cordas. Alguns dóceis, outros raivosos, tão revoltados quanto ele, quando chegara. Um por um, ele os observava serem subjugados pelo homem de agasalho vermelho. A cada vez, assistia a uma performance mais brutal, e a lição do que acontecera a ele tornava-se mais vívida: o homem, quando armado de um porrete, era um executor da lei, um amo que deveria ser obedecido, se bem que não necessariamente de forma espontânea. Disso não tinha que se envergonhar; vira cães que, depois de açoitados, bajulavam seu carrasco, balançavam suas caudas para ele e lambiam-lhe as mãos. Também conheceu certo cão que se negou a curvar-se e a obedecer e acabou morto pelo amo.
Vez por outra, apareciam homens estranhos, falando com excitação, elogiando de várias maneiras o homem de agasalho vermelho. Nessas ocasiões, o dinheiro passava de uma mão para outra, entre eles, e os estranhos levavam consigo um ou mais cães. Buck ficou curioso para saber onde eram levados, já que nunca eram trazidos de volta. Mas o medo do futuro também começava a se tornar mais forte e, a cada vez que aquilo acontecia, ficava mais contente por não ter sido um dos escolhidos.
Entretanto, sua hora acabou chegando, finalmente, quando um homenzinho enrugado, que falava um inglês alquebrado, repleto de exclamações incompreensíveis para Buck, apareceu por lá.

-Sacredam!  -gritou, com os olhos brilhando para Buck.
-Aquele valentão lá... Ah! Quanto?

-Trezentos! E é uma pechincha! -foi a resposta pronta do homem de agasalho vermelho. -E já que é dinheiro do governo, não venha pedir abatimento, certo, Perrault?
Perrault sorriu. O preço dos cães subira às alturas, empurrado por uma demanda estonteante. Não era um preço injusto, por um animal tão bom. O governo canadense não sairia perdendo, nem seus despachos seguiriam mais devagar por culpa dele. Perrault conhecia cães e, quando viu Buck, compreendeu que era um em mil. "Um em dez mil!" , comentou mentalmente.
Buck percebeu o dinheiro passar de um para o outro e não se surpreendeu quando Curly, uma bem nascida newfoundland, e ele foram levados pelo indivíduo enrugado. Nunca mais encontraria o homem de agasalho vermelho. Logo, ele é Curly, do convés do Narwbal, estariam vendo Seattle distanciar-se. Seria a última vez também que veria as quentes terras do Sul. Ele e Curly foram levados para o convés inferior do navio e entregues aos cuidados de um gigante de rosto negro chamado François. Perrault era franco-canadense, moreno-trigueiro; já François era um franco-canadense mestiço, de tez muito mais escura. Eram uma nova espécie de homens com a qual Buck estaria destinado a conviver. Não desenvolveria por eles nenhuma afeição, mas aprendeu a respeitá-los. Honestamente, reconheceu logo que tanto Perrault quanto François eram boas pessoas, tranquilas e imparciais ao administrar a justiça, e que entendiam demais o jeito de ser dos cães para se deixarem enganar por eles.
No duplo convés do Narwbal, Buck e Curly juntaram-se a dois outros cães. Um deles era muito grande, de pêlo branco como a neve. Vinha de Spitzbergen, trazido a bordo por um capitão grandalhão, e já havia inclusive acompanhado uma expedição geológica a Barrens. Parecia amistoso, mas era um tipo traiçoeiro, muito sorridente para todos verem, mas sempre aprontando algum tipo de trapaça, como por exemplo, roubar a comida de Buck, no desjejum. Numa dessas vezes, Buck avançou sobre ele para puni-lo, mas o estalo do chicote de François cortou o ar, atingindo o infrator, e tudo o que Buck precisou fazer, foi recuperar seu osso.

O Chamado SelvagemWhere stories live. Discover now