Os Gigantes

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A brisa gelada passou por entre as folhas de arvores e arbustos, marcando-as com o tênue rastro de inverno. Os flocos caíram e cobriram o solo com uma bela e suave camada de neve. O vento soprou forte. Não se via os animais pastando, nem ouvia os pássaros cantarem e as flores não brotavam. Era o primeiro doce alvorecer do inverno.

A fraca luz solar batia nos colossos e negros muros da Fortaleza dos Gigantes. Eram altos e firmes, dignos de quem lhe abrigara, foram construídos pelos melhores construtores da tribo. Em seu interior onde a luz solar não alcançava, tochas e velas trabalhavam na iluminação enquanto sombras de pequenas criaturas locomoviam-se freneticamente dentro daquele enorme metro quadrado guardado por muros descomunais. Arvores eram carregadas de lá para cá, armas eram forjadas, lanças e arcos esculpidos e espadas se encontravam e emitam graciosas faíscas. Eram os Gigantes. Considerados Gigantes pela espécie e tribo na qual pertenciam. Ali dentro, naquela Fortaleza três vezes mais alta que a mais alta criatura da tribo, eles eram apenas pequenas criaturinhas. Contudo, o tamanho era relativamente pequeno, o suficiente para cinquenta gigantes não se esbarrarem, trabalharem e descansarem confortavelmente. Mas, com a enorme quantidade de baixas na guerra, este número diminuiu por mais da metade, restando pouco menos de vinte criaturas.

Eles trabalhavam e treinavam rigorosamente com a cobiça de vencerem a guerra e tomarem posse de toda à floresta como Guardiões. E assim como todas as outras tribos, eles possuíam um líder temido e respeitado. Seu nome, ao ser pronunciado, silenciava um Leão da Montanha e colocava o rabo entre as patas de um Lobo Gigante. Seu nome era Arafa, O Grande.

Enquanto os demais produziam e praticavam ao seu redor, Arafa sentava-se no fim da Fortaleza em um trono de pedra sob medida, observando tudo e a todos. Degustava um pernil de mamute com uma das mãos e com a outra acariciava o crânio de um dragão que repousara em seu colo. Arafa possuía incontáveis anos, mas a sua face era similar a de um humano no início da velhice. Seus cabelos eram curtos e grisalhos e longa era a sua barba, também grisalha, entrelaçando-se até sua cintura. Ao lado de seu trono, o seu amigo mais fiel e com quem ele mais pôde contar nos últimos séculos, o seu tridente. Era forjado por várias camadas de aço oceanum, um aço raríssimo jamais visto dentro da floresta além daquela arma lendária. Era longo e grosso, possuindo três pontas grandes e afiadas, cada qual com uma cor: Vermelho, azul e verde. Mas, o respeito pelo gigante não se dava só pela arma com a qual assolava os seus inimigos, mas também por sua sabedoria, sendo, diferentemente dos demais, mais que um sinônimo de brutalidade e selvageria.

Arafa levantou-se do trono com um semblante entediado, e brandiu:

─ Eu irei caçar – sua voz repercutiu pela Fortaleza, alcançando a atenção de todos. – Alguém deve ocupar o meu lugar.

Um silêncio inquieto prosperou, e assim era em todos os momentos em que ele deixava o trono e colocava alguém em seu lugar. Não eram temerosos por quem o ocuparia, mas o que seria necessário para ocupá-lo.

─ Tu e tu – disse seguramente, indicando a dedo. – Lutem até a morte. O que triunfar irá liderar em meu nome, até que eu volte – declarou.

Os gigantes se aglomeraram ao redor de um grande circulo e empurraram os dois indicados em seu centro. Um dos gigantes tinha uma aparência jovem, seus cabelos e olhos eram negros e sua barba rala; trajava um simples roupão de couro de mamute marrom com leves manchas claras, em sua mão direita segurava uma enorme lança de cabo grosso e uma ponta longa e afiada. O seu adversário, atordoado e surpreso, vestia somente uma tanga e segurava um enorme machado de ferro com as duas mãos. Seus cabelos também eram negros e curtos, porém a sua barba era longa e entrelaçada.

─ Por que eu? – o gigante com o martelo na mão indagou. – Só sei fazer espada, não sei lutá. E se eu ganhá, não vou saber ser chefe.

─ Não confio em tu – respondeu Arafa, fitando-o. – E tu não faz espadas. Espada que se quebra só com a brisa do inverno não é espada. E essa tua barba? Eu conheço a barba de um guerreiro quando vejo uma. Nem os meus melhores guerreiros tem uma assim. Mate ele, jovem caçador – ordenou ao gigante que portava a lança.

Ambos os gigantes se locomoveram, circulavam, cautelosamente. O gigante que outrora segurava a lança com a mão direita naquela altura a segurava com as duas mãos, inclinado, pronto para atacar. O outro gigante que segurara o martelo de ferro com as duas mãos, o segurava com apenas uma, pronto a um contra-ataque. O jovem caçador avançou com sua lança, sedento em espetá-lo. O suposto forjador de espadas, por sua vez, tornou-se a girar com seu machado, a espera do ataque, o que deixou o jovem confuso e o fez hesitar por um instante, o suficiente para que o martelo fosse arremessado em sua cabeça sem que pudesse evitá-lo. Sua cabeça explodiu e seus miolos voaram e se espalharam pelo circulo.

Há! – berrou o gigante de barba entrelaçada.

Há! – os gigantes gritaram em resposta.

Arafa observara aquela cena solene e acariciara o pequeno crânio de dragão.

─ Qual o teu nome? – perguntou.

Malleum – respondeu o gigante, ainda eufórico.

Arafa quebrou o crânio em suas mãos com um único aperto, pegou o tridente, e caminhou em direção ao circulo. Todos abriram espaço ao seu líder. Ele ficaria cara-a-cara com o gigante suposto forjador de espadas, mas este não era mais alto que o seu peitoral, Arafa não era chamada de "O Grande" em vão, ele era o maior entre todos os gigantes. Entretanto, seu tamanho não amedrontara o outro gigante que o olhava de cabeça erguida.

─ Tu é bom – disse Arafa, honrosamente, colocando uma de suas mãos na cabeça de Malleum, enquanto a outra segurava o tridente. – Mas não é um forjador e não confio em tu – disse. E, com um único aperto, mais uma cabeça havia explodido naquela manhã de inverno.

─ Continuem o que estavam fazendo, volto já – esbravejou Arafa.

Todos retomaram imediatamente as suas atividades e o circulo se desfez. Arafa prosseguiu em direção ao portão que guardava a fortaleza. Era do tamanho dos muros e revestido por varias camadas de aço com extremidades pontiagudas que penetravam o solo. Quatro gigantes protegiam o portão; dois dentro da fortaleza e dois fora dela, e para que a passagem fosse realizada era necessário que os quatros o levantassem ao mesmo tempo. E assim o fizeram. Arafa inclinou-se, uma vez que era maior que aqueles que o levantavam, e cruzou o portão, adentrando a floresta.

O bosque estremeceu, mas a neve silenciava os passos menos brutos e desajeitados. Com alguns tapas e pontapés, arvores eram arrancadas pelas raízes. Uma caçada não era muito apropriada a um gigante, pois não havia como camuflar-se e raras criaturas saiam no inverno. O inverno era a época das Aranhas de Gelo e as criaturas de Tenebris não eram tolas.

O vento soprava cada vez mais forte. Uma tempestade de neve estava a caminho. Cansado, Arafa decidiu retornar à Fortaleza, mas a sua decisão tornou-se duvidosa ao ouvir ruídos próximos dali. Intrigado, fora averiguar e encontrara uma trilha, uma trilha da qual era coberta por terra e não pela neve que a rodeava. Era uma trilha mágica feita por mamutes, Arafa tinha certeza disto, então a seguiu. Os ruídos ficaram mais altos e intensos à medida que ele a seguia. Em seu final, ele encontrou um mamute e o mamute não estava sozinho. Contudo, Arafa não saiu de sua fortaleza para caçar mamutes, ele saiu para caçar aquilo que os caçavam.

À sua frente, quatro Aranhas de Gelo abatiam o enorme mamute ainda vivo. Elas o esfolavam e retiravam pedaços de sua carne e, com seus pedipalpos, levava a carne à boca. O pobre mamute grunhia e debatia-se ao chão. Entretanto, Arafa não dera tanto atenção ao abate quanto dera para a caverna logo atrás das aranhas, que reluzia de uma ofuscante luz azul ciano.

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As Criaturas da Floresta [Revisando]Where stories live. Discover now