Eterno

Capítulo Treze

Resignado, Isaac deu de ombros, sentou-se em uma pedra ao lado de Emma e fez sinal para que ela também se sentasse. Suspirou então, um suspiro profundo e ruidoso, que demonstrava o quanto era difícil pra ele a tarefa que estava prestes a cumprir. Só então piscou os olhos demoradamente algumas vezes, e encarou Emma, como quem ia começar a falar.

- É uma história longa, e começa séculos antes do seu, e até do meu, nascimento. Havia uma terra, habitada por seres divinos, mandados a Terra para salvar os homens de suas faltas e ensinar-lhes e humildade. O povo, conhecido como Nefilim, viveu em paz por muitos anos, em harmonia com os humanos e com a natureza, como era de se esperar. Mas então, houve uma rebelião no céu. Alguns anjos não achavam certo dedicarem sua vida a serviço de seres tão inferiores a eles, como eram os humanos, e resolveram que não mais serviriam a esse propósito. Isso causou uma grande catástrofe, pois os anjos dividiram-se, e seu senhor não mais sabia o que fazer. Os anjos que permaneceram na Terra viram a humanidade decair a cada dia: as colheitas não produziam tanto quanto deviam, os pecados não eram mais considerados faltas, mas sim meros erros, as orações não ocupavam mais espaço no dia-a-dia do povo terrestre, a violência estava cada dia mais constante, e os Nefilim não conseguiam impedir as discussões acaloradas entre os humanos. Eles não os ouviam mais, afinal, um povo que estava em guerra entre si não era capaz de dar lição para ninguém. Foi nesse momento que a situação se tornou insustentável, e o Senhor decidiu dar um basta em tudo isso. Convocou todos os seus anjos, e os fez escolher entre permanecer firme na missão, ou desistir de tudo o que ele havia os ensinado até então. Muitos continuaram com seus ideais divinos e humanitários, mas outros, não poucos, desistiram da vida de sacrifício na Terra. Esses foram expulsos do Paraíso. Como lição, eles foram condenados a morar abaixo dos pés daqueles humanos que eles diziam serem tão inferiores a eles. Revoltados, mas cheios de orgulho, bateram voo sem olhar para o que tinham deixado para trás. As consequências da desunião celeste foram sentidas por muitas gerações humanas, até que finalmente a guerra foi superada. E quando tudo parecia caminhar calmamente para um futuro próspero, os demônios, como eram agora conhecidos os anjos expulsos, iniciaram mais uma batalha, que deixou rastros de sangue e raiva na Terra. Mais uma vez o Senhor interveio, e com sua mão protetora e divina forjou uma pedra com um poder tão grande que seria capaz de garantir a vitória de apenas um lado na guerra que já durava séculos. Ele entregou essa pedra ao líder dos Nefilim, com a restrição de usá-la somente em casos de extrema necessidade. Felizmente, os Nefilim ainda eram maior número do que os demônios, e conseguiram mandá-los de volta a seu mundo sem precisar utilizar a pedra, que ficou conhecida como Pedra Mestre. Desde então, como prova da aliança entre céu e terra, a Pedra Mestre fica sob os cuidados de um guardião humano, e passa de geração em geração, sendo o bem mais precioso até hoje criado. Mas os demônios nunca desistiram de obterem a pedra, pois sabem que só assim derrotariam para sempre seu Senhor, os Nefilim e todo mundo, e seu reino de trevas seria expandido pelo universo inteiro. Até agora, os guardiões foram excepcionais em sua missão, já que foram preparados desde muito jovens, e instruídos sobre a importância de sua tarefa. É necessário dedicação e sacrifício, além de muita responsabilidade e amor – Isaac inspirou, soltou o ar devagar, como se o simples arfar do peito doesse, e então levantou-se e caminhou em direção ao horizonte que se estendia diante deles – Mas agora o equilíbrio foi rompido, pois o guardião foi morto antes de passar seu legado, e é aí que você e seu pai entram. Sua mãe foi a última guardiã da pedra, e ela morreu antes de passar a você todo o conhecimento necessário para herdar essa dádiva. Felizmente, os demônios ainda não sabem da sua existência, e por isso vieram atrás do seu pai por pensar que ele seria o próximo guardião. Enquanto as coisas continuarem como estão, tudo estará seguro, mas eu acredito que eles logo saberão sobre você. Minha missão é te preparar para a guerra que vamos enfrentar antes de eles chegarem a nós. – Isaac olhou com receio para Emma, e seus olhos tinham um tom de súplica que pediam uma resposta.

Mas Emma estava chocada demais com toda aquela história. Era muita informação para ser absorvida de uma hora para a outra. Sua mãe, uma guardiã da pedra que colocaria em risco a vida de um monte de anjos caídos? Seu pai nas mãos de demônios que querem a todo custo conseguir essa mesma pedra? Isso não podia ser real, e o simples fato de Isaac estar brincando assim com ela a irritava profundamente, mais do que qualquer coisa que ela tivesse imaginado. Mas ao mesmo tempo ela sempre soube que sua família era diferente. Eles não saíam como as outras famílias. Eles não comemoravam aniversários, e raramente se permitiam aparecer em público. De certa maneira fazia sentido toda essa explicação. Não teria sido à toa que ela praticamente discutiu com os pais para deixarem-na frequentar o colégio e sair com Vick. Ela não entendia isso naquele momento, mas agora tudo se encaixava.

Mesmo sabendo de todos esses argumentos, Emma ainda não queria acreditar em tudo que aquele garoto estava contando. Não podia sequer pensar em seu pai sendo torturado, ou até morto, porque ela não havia sido preparada para uma missão que ela nunca pediu. Toda a frustração veio à tona, e ela foi para cima de Isaac, que só teve tempo de tropeçar até um tronco caído ali perto antes de cair sentado, enquanto Emma soltava a torrente de palavras que havia tempo ela estava guardando dentro de si.

- Então você acha mesmo que eu vou acreditar nessa palhaçada? – Emma soltou uma gargalhada forçadamente irônica antes de continuar – Você acha que eu vou acreditar que você é um tipo de anjo, e que minha mãe carregava uma pedra da qual eu nunca ouvi falar, e que meu pai agora está preso com demônios que querem retirar dele informações sobre essa tal pedra? Você aparece na minha casa, no meu quarto, no meio da noite, e quer me ludibriar com essa história? Sinceramente, Isaac, eu esperava mais de um cara que parece tão inteligente quanto você. Vou dizer uma coisa: eu nunca vou cair nessa! Não sei quem você é, de onde vem e nem o que quer, não sei para onde está tentando me levar ou aonde quer chegar com tudo isso, só sei que eu jamais vou entrar nessa onda de anjos celestiais contra demônios do mal na qual você está me metendo. Eu não sou mais criança, Isaac, já parei de acreditar em Papai Noel há algum tempo. Por que deveria confiar em você? – Emma tinha os olhos arregalados, e se surpreendeu com a calma que encontrou nos olhos de Isaac quando finalmente fixou seu rosto.

O garoto então levantou-se silenciosamente, e se aproximou de Emma, sem fazer nem sequer um ruído. Era loucura, mas ela poderia jurar que, contra o sol, como ele estava naquele momento, era como se todo o corpo de Isaac brilhasse em uma aura mágica, dourada e linda, que ela nunca havia visto antes, nem em seus melhores sonhos. Sua expressão era pura serenidade quando ele parou na frente dela e disse:

- Você precisa acreditar em mim porque eu sou sua única chance. Eu sei que é difícil, mas nós vamos enfrentar isso juntos, tudo isso. Emma, eu nunca mentiria para você.

As mãos de Isaac lentamente se aproximaram da cintura de Emma, e o simples toque da pele dele contra a dela fazia tudo parecer mais correto por um mínimo instante. Ele então levou seu rosto até o lado da face da menina, e encostou sua cabeça na dela, ao mesmo tempo em que a enroscava com seus braços fortes e a trazia para mais junto de si.

Ali, parada naquele abraço, Emma sentia que tudo poderia se desfazer naquele momento, e ela continuaria encantada. Ela havia encontrado seu lugar. A segurança que ela havia sonhado durante toda a vida parecia ao seu alcance agora. Ela sentia que tudo era possível, até aquela maluquice que ela havia acabado de escutar. Junto de Isaac ela se via protegida e forte, com coragem para lutar a guerra que fosse, desde que ele estivesse do mesmo lado dela. Lentamente, ela fechou os olhos, e deixou-se saborear aquele momento por um segundo, antes de se dar conta de que Isaac tinha razão: sua vida nunca mais seria a mesma.