Capítulo Dez

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Sem perceber, Emma acabou caindo no sono, exausta pelos pensamentos que fervilhavam em sua cabeça. Quando acordou, com a luz já batendo em seus olhos, e o belo dia lá fora convidando-a a passear despreocupada pelas ruas cheias de ziguezagues da cidade de Winstow, ela se sentiu uma estranha em sua própria vida, sem ter o controle de nada do que estava por acontecer com ela ou com aqueles que ela amava, sem poder fazer o que sempre fizera, que tornava seus dias tão normais. Suas narinas foram invadidas pelo cheiro de waffles que vinha da cozinha, e ela imaginou se Nora finalmente tinha desistido do gelo e viria prepara seu café da manhã como fazia todos os dias, desde que ela começara a dar os primeiros passos.

Levantando-se apressada, demorou-se pouco tempo no banheiro, ao contrário de todos os outros dias, ansiosa por ver novamente a babá que tanto amava. Em seu íntimo ela sabia que queria mesmo era enchê-la com perguntas que, Emma sabia pela forma como a tinha tratado naquela noite, ela não iria nem sequer cogitar responder.

Ao invés de Nora, quem encontrou com o avental branco que lembrava seu pai foi Isaac. 

- Vejam só, quem acordou! Já estava mesmo na hora. Achei que ia perder a maravilha de café que preparei – com o sorriso mais verdadeiro que conseguiu arranjar, o garoto recebeu-a na porta da cozinha, apressando-a para a cadeira ao lado da mesa com um toque leve, mas decidido em suas costas – Se soubesse que ia dormir tanto assim teria começado a preparar os waffles mais tarde. Infelizmente acho que agora eles já estão frios.

Emma tentou manter a cabeça fixa em frente, mas não conseguiu evitar um leve cair de queixo ao ver a mesa tão bem organizada. Todas as frutas que existiam pareciam estar reunidas aos pares dentro do cesto de vime que ocupava o centro da toalha de flores amarelas, a preferida de seu pai, e que ele só usava aos domingos. Com uma aparência invejável, os waffles estavam emparelhados em fileiras dentro de um prato de vidro, e o bule com o café se encontrava logo ao lado, emanando o aroma familiar de grãos frescos que ela tanto amava. A calda de chocolate também já estava preparada, e Emma assistiu cuidadosamente enquanto Isaac a despejava em cima das fatias geometricamente perfeitas do waffles, como se aquele fosse um espetáculo imperdível. As xícaras dispostas com perfeição se encontravam elegantemente paralelas, uma a cada lado da mesa, com as colheres dispostas ao lado. Tão logo terminou com os waffles, Isaac puxou a xícara de Emma para mais perto do bule, e então, com todo o cuidado, derramou o café ali dentro, acertando a medida exata para que o líquido não transbordasse. Fez isso mais uma vez com sua própria xícara, devolvendo a da menina logo em seguida, exatamente no lugar em que estava antes de ele a movimentar. Com um olhar convidativo, fez sinal para que Emma se servisse, e para sua surpresa, a garota viu-se animada com aquele convite. Rapidamente passou uma fatia de waffles para seu prato, que aguardava debaixo da xícara, e comeu como há muito tempo não fazia, sob os olhares satisfeitos de Isaac, que viu seu dever cumprido, e passou a se considerar um excelente chefe de cozinha. Depois de terminado o café da manhã, os dois lavaram a louça como bons amigos, e Emma aproveitou a sensação de paz, rara entre os dois. Ao se comprimirem no sofá da sala, ela já estava até mesmo gostando da companhia de Isaac, afinal, querendo ela admitir ou não, ele era a única pessoa ao seu lado nesse momento.

- O que você acha de sairmos para dar um passeio? O dia está bonito lá fora, e acho que faria bem a nós dois. Imaginei que poderíamos ir até o ponto alto da cidade, afinal, eu já estou aqui há um bom tempo e ainda não conheço nem um lugar de Winstow – sugeriu Isaac, dando a entender que ela seria sua guia turística.

- Não sei se é uma boa ideia. Tinha planejado voltar à casa de Nora, para ver se ela mudou de planos e agora está disposta a me ajudar e responder algumas perguntas.

- Acho que você espera demais dessa velhota – Isaac parecia instantaneamente irritado, e Emma não conseguia entender o porquê. Mesmo assim se sentiu ofendida por Nora.

- Não acho certo você chamá-la por esses termos, já que nem a conhece direito. Ao menos devia dar uma chance a ela. Nora é uma ótima pessoa, eu sei disso, ela sempre cuidou de mim, e muito bem, que fique registrado.

- Então por que ela se recusou a te ajudar no momento em que você mais precisou dela?

- Bom, é uma bela questão. E é para obter resposta para essa e outras perguntas que pretendo ir vê-la.

Suspirando, Isaac deu de ombros, e fez uma última tentativa, antes de desistir de convencer a menina:

- Tudo bem. É o seguinte: se você sair comigo, e me mostrar alguma coisa dessa cidade nesse dia lindo que faz lá fora, eu prometo que vou fazer o máximo para te dar as respostas que procura. Temos um acordo?

Os olhos de Emma brilharam, e, antes que o garoto mudasse de ideia, ela o puxou do sofá, e correu até a porta, mais animada do que nunca. Ao sair para a rua acompanhada de Isaac, ela sentiu a brisa leve em seu rosto, e finalmente se sentiu viva, depois de muitos dias reclusa em casa, sem saber o que era o calor do sol aquecendo sua pele. No fundo, agradeceu ao menino por fazê-la sair de casa. Mas logo a lembrança do pesadelo da noite anterior assolava sua mente, e ela sentiu uma pontada de culpa por tanta felicidade, enquanto seu pai ainda estava nas mãos seja lá de quem fosse.

Como se tivesse lido seus pensamentos, Isaac passou um braço pelos ombros de Emma, que apoiou a cabeça no ombro do garoto. Assim, acolhida pelo abraço de Isaac, ela se sentia protegida, estranhamente protegida. Como se nada pudesse machucá-la. Como se o mal estivesse longe dali. E ela realmente preferia acreditar nisso, por mais difícil que parecesse.

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