Capítulo II

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                Acabara de sair dos braços de uma rechonchuda francesa, com quem passara algumas horas da noite, depois de beber vários copos de rum. A dor de cabeça e um amargo na boca o incomodavam. A luz do dia o obrigava a estreitar os olhos para poder enxergar por onde andava. Não tinha o costume de beber em demasia, mas o rum poderia ser muito reconfortante nos dias de solidão e nas frias noites passadas no Highlander.

                Naquela noite sentira-se excepcionalmente solitário sentado em uma mesa de bar semelhante àquela em que conversara pela primeira vez com Brian Hawke dez anos antes. Talvez estivesse cansado daquela vida nômade. Às vezes, pensava em voltar à casa de seu pai, colocar flores no túmulo de Tammy e respirar o ar puro das pastagens e das flores no jardim que era de sua mãe e que fora mantido por sua tia. Ultimamente era frequente pensar na casa paterna. Não raramente, as palavras do senhor Krane voltavam a assombrá-lo –... seu pai está preocupado e saudoso com sua ausência... –, outras vezes lembrava o dia do enterro de sua tia Tammy e a tentativa de reaproximação. Buscava desviar-se desses pensamentos ao se lembrar da punição, por deserção da Marinha, que o aguardava caso aparecesse por lá. Draco falecera há dois anos, mas isso não seria motivo para arquivarem o seu abandono do posto como grumete. 

                Haviam desembarcado numa praia afastada do centro de La Rochelle, para não serem incomodados pela milícia local. Precisava de mantimentos, rum e diversão para os homens, que não pisavam em terra há mais de três semanas. Por sua vez, também gostava da sensação de estar nas ruas, ter chão firme sob os pés, cheirando odores dos mais variados, que não o cheiro da maresia ou do suor de seus marujos. Saborear a carne de carneiro, legumes e frutas frescas, raridades a bordo, comer pão quente e dormir em camas que não balançavam ao sabor das marés, eram outros prazeres irrefutáveis. Distraído, parou em frente a uma banca onde maçãs grandes e vermelhas lhe sorriam. Enquanto escolhia qual seria o seu café da manhã, sofreu um encontrão que quase o jogou por cima da pilha de frutas. Ouviu um rápido pedido de desculpas em uma voz que lembrava a de um adolescente. Conseguiu recuperar o equilíbrio e, ao  virar para insultar quem o havia empurrado, viu uma figura de baixa estatura, vestindo uma capa de tecido surrado, esgueirando-se pelo meio da confusão de pessoas atarefadas em comprar e vender no mercado a céu aberto. 

                – Se eu fosse o senhor, olharia seus bolsos... – advertiu o dono da banca.

                – O quê? – exclamou, imediatamente palpando-se a procura de sua bolsa de moedas e verificando que ela desaparecera. 

                Soltou uma praga e saiu correndo no encalço do pivete. Graças a sua altura, conseguia enxergar o garoto como uma mancha marrom ondulando entre as barracas, andando rápido e agilmente, sem correr, seguro de que não era mais perseguido. Crow rapidamente aproximou-se do ladrão e quando estava quase a tocá-lo, este o percebeu e começou a correr. No caminho pulou sobre caixas de madeira, barris de rum e tentou esconder-se sob uma ou outra barraca da feira. Porém seu perseguidor era implacável. Acabou por entrar em um dos becos que se encontrava na penumbra devido às sombras dos prédios ao redor e pelos diversos varais com roupas estendidas a secar. Fora isso havia inúmeros caixotes deixados ali pelos feirantes. Podia ouvir a respiração arfante do rapaz. Certamente estava escondido atrás de uma das caixas grandes. Quando se aproximou de uma delas, foi surpreendido pelo despencar de um varal sobre sua cabeça. Com agilidade conseguiu desvencilhar-se dos tecidos molhados e gritar:

               – Olhe, garoto! Não quero lhe fazer mal. Se devolver minha bolsa, o deixo com vida e uma moeda de prata. 

                – Uma oferta muito generosa, monsieur... Mas por que eu me contentaria com uma moeda de prata se tenho uma bolsa cheia delas? – Replicou a estranha voz de barítono. Ele está tentando engrossar a voz?, perguntou-se Crow, divertido com o atrevimento do pequeno larápio, tentando localizar de onde vinha aquela voz.       

O Corsário ApaixonadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora