Capítulo 06: Solomon

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– O nome dele é Desmond Chepken.

O guarda olhou para o homem na frente do grupo. Ele conhecia Desmond e o líder devia ter alguma relação com ele.

– Senhor, ele está procurando pelo...

– Meu irmão. Eu ouvi. – O líder interrompeu.

– Seu irmão? – Estranhei. – Não sabia que podia haver pessoas que se reconhecessem como parenter aqui.

– E não há. Ele é meu irmão de consideração. Eu sou um nascido no Paraíso, isso quer dizer que, na Terra, eu morri antes de nascer. Desmond me encontrou no hospital e, entre aspas, "me adotou" como irmão. Isso não acontece muito. Ele me tirou de lá antes de eu crescer e me criou. Andávamos sempre juntos. Ele me ensinou a ler e a escrever; a andar de bicicleta; nós trabalhávamos juntos em uma mecânica no centro; amávamos o que fazíamos. Eu até mesmo conheci uma garota: Nanda. Meu irmão me incentivou a seguir com ela, pois não era muito comum uma alma amar romanticamente a outra no Paraíso. No dia do meu primeiro encontro as luzes vieram; ela foi possuída; eu consegui fugir com meu irmão, que também não foi possuído, mas, dois dias atrás ele foi sequestrado pelo inimigo, os Filhos do Abismo, como você chamou; junto a um grupo de mais três pessoas que procuravam comida.

Fiquei analisando a história que ele contava. Por alguma razão a ideia de que aquela alma estava mentindo perdurou na minha cabeça. Eu sabia que existiam aqueles nascidos no Paraíso, mas não sabia que as pessoas podiam "adotar" uma alma, ainda mais como irmão. Talvez um casal, se é que havia algum além de mim e Thais – o pensamento mais uma vez me entristeceu –, gostaria de adotar um como filho. Mas as almas não mentiam, nem mesmo quando estavam vivas – se mentissem, não chegariam até aqui. Acreditei, desconfiando, na história, pois eu era o prisioneiro, então era melhor não questionar.

– Chega de papo. – O líder encerrou a história.

A luz nascente ofuscou minha visão quando saímos do túnel. Estávamos em um pequeno píer, de onde podíamos ver a London Eye, a maior roda gigante do mundo. Estava parada e sem luzes, mas eu podia imaginar como ela seria a noite em pleno funcionamento. Imaginei os milhares de milhões de pessoas que deviam passar ali todos os anos. Pais que levavam os filhos pequenos para ver Londres lá do topo; casais enamorados trocando beijos enquanto giram na roda. Imaginei-me com Elena ali, na Terra. Era um dos nossos sonhos visitar – ou quem sabe, morar – em Londres. Na verdade, tínhamos muitos sonhos. Sorri, mesmo diante daquela estranha situação.

Ao mesmo tempo, meu coração apertou. Pensei em Thais, e no que eu tinha feito com ela. Ela gostava de verdade de mim, e eu apenas aproveitei devido ao calor do momento. Se eu pudesse, pulava naquele rio e morreria afogado, mas havia muitas coisas dependendo de mim naquele momento. Além de eu já estar morto.

Um negão de uns três metros de altura me tirou do carrinho com apenas uma das mãos e me colocou de pé na plataforma. Paramos e esperamos algo que eu não sabia o que era. Até que vi um barco vindo em nossa direção. Eles deviam se esconder em um navio em algum lugar. Apenas o líder, o guarda com quem conversei, o negão, Thais e eu subimos no barco. O resto dos soldados voltou ao túnel.

A embarcação seguiu pelo rio até desembocar no mar, onde há quilômetros mar adentro havia um iate imenso. De onde eu estava, podia ver que, no teto, havia um heliporto. O dono desse barco teria muito dinheiro se estivéssemos na Terra, pensei. Nós embarcamos e seguimos por um corredor lateral; entramos por uma porta que dava num corredor estreito com diversas portas aos lados, onde, no fim, havia uma porta fechada com uma alavanca redonda. E foi onde entramos.

Ali havia uma equipe de marujos, todos vestidos com roupas simples: calças jeans e camisetas brancas sem estampa. Contudo, havia um homem que se destacava dos outros. Estava de costas para nós; usava um terno italiano azul marinho de corte perfeito para ele; era uma cabeça e meia mais alto que eu; ele usava um quepe branco. O capitão do navio virou-se para nós.

Afterlife: MundosWhere stories live. Discover now