XIV: Reunião

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Quanto tempo é possível aguentar correr no escuro? O quão longe se pode ir quando tudo o que você vê é o nada? Sem tropeçar, sem cair, sem parar, até onde você iria?

E quando você foge de algo tão complexo que te segue, onde se esconder?

E quando você foge de si mesmo?

Acordei completamente exaltada naquela madrugada. Sonhar que estava correndo era ainda mais cansativo do que correr de fato. Eu estava exausta, mas não conseguia fechar os olhos e encarar o escuro sem ter a impressão de estar correndo de novo.

Por que Jonas tinha me dito todas aquelas coisas, afinal? Por que ele tinha me pressionado, se depois diria que ia me esperar? Agora eu tinha um peso inigualável sobre a minha cabeça, me torturando.

Estava fugindo de mim mesma, sabia disso há algum tempo. Toda vez que eu via dor ou amor nos olhos e olhares que Jonas lançava para mim, me cortava por dentro, e me fechava para tentar me impedir de sentir. No entanto, eu tinha que ser franca comigo mesma.

Não há muito que se fazer quando o amor bate à nossa porta: podemos deixá-lo entrar, ou tentar impedir que o faça – em vão; podemos dar espaço a ele, ou tentar expulsá-lo de nós – também em vão; aceitá-lo ou tentar fugir dele – ainda sem resultados.

E era isso o que eu vinha fazendo, repetidas vezes: lutando em vão. Estava tentando bater a porta do meu coração na cara de um sentimento, sem notar que, na verdade, tudo o que fazia era trancá-lo para dentro. Eu podia tentar fugir e tentar me enganar, mas ele estava ali, mais preso do que nunca.

No entanto, enxergava com clareza a minha relutância. O nojo que eu tinha de Jonas e do que ele era ainda eram fortes demais pra que me permitisse amá-lo. Eu queria, precisava que ele fosse mais humano do que jamais seria, para que pudesse ignorar o ódio e me entregar ao amor que, no fundo, sentia.

Um fardo ou uma alegria?

Aquela era uma escolha que eu ainda não estava apta a fazer.

Olhei pela janela e lá estava Jonas, sorrindo para mim. Não ajudava em nada. Então, voltei a dormir.

- Você não dorme? -me ocorreu perguntar, na nossa "aula" de quinta-feira. Jonas riu e se deitou na própria cama, ao lado de onde eu estava sentada.

- Durmo. - respondeu - Só que bem pouco.

- Pouco quanto? - questionei, curiosa.

- Uma vez por semana. Às vezes mais, às vezes menos. Eu demoro para ficar cansado.

- E o que você faz durante a noite, se você não dorme?

- Estudo. Ou caminho. Depende do meu humor. Mas ultimamente eu tenho feito algo mais interessante.

- O quê?

Jonas passou os braços longos e fortes pela minha cintura, num semi abraço, e me forçou a deitar ao seu lado. Seu abraço era gelado, e eu me sentia estranhamente íntima e ligada a ele ali, incapaz de me mover. Demorou alguns segundos até que seu perfume amadeirado me invadisse e me acalmasse ao seu lado.

- Eu te ouço dormir. - me contou, então.

- Me ouve? - o que aquilo queria dizer?

- Você é inquieta. - me explicou - Não fala, mas fica...murmurando coisas sem sentido quando está sonhando. E costuma acordar várias vezes à noite.

- Isso não me parece muito divertido.

- Quando você tem o sempre nas suas mãos, começa a achar divertidas até as coisas menos interessantes.

Vermelho SangueWhere stories live. Discover now