— Sim, mas podemos ir para casa?

— O Pietro não para de te encarar.

— E daí, Ana? Ele tem uma n-a-m-o-r-a-d-a.

— Tem... Mas acho que ele sente que precisa te explicar isso.

— Mas ele não precisa. Vamos embora, por favor!

— Vai na frente, eu tô conversando com umas pessoas legais, depois eu te alcanço, ok? - Eu assinto, entrego a ela a chave reserva do portão de casa e saio dali, me despeço de algumas pessoas e, antes de sair, dou uma rápida olhada na direção de Pietro, ele está olhando para mim. Dou de ombros e vou embora, ainda bem que minha casa fica na esquina. Memórias invadem minha mente e eu nem tento impedi-las.

— Então enquanto eu estiver lá, nós podemos ser amigos e quando eu voltar, eu te ligo, a gente sai e decide o que fazer. - Pietro me dizia, dias antes de ir embora.

— Combinado. Eu só... Vou sentir tanta sua falta. - Falei.

— Eu também, Lia. Mas um ano vai passar bem rápido e logo vamos nos ver de novo. Agora, vem, vamos aproveitar o presente! - Ele falou, me dando um beijo.

***

— Marília! - Alguém me chama, trazendo-me de volta à realidade. Eu olho na direção e voz e... Merda! — Ainda bem que me ouviu! Eu preciso... - Pietro começa a dizer.

— Você não precisa me explicar nada.

— Eu sei, mas preciso falar com você. Digo, tá tudo bem? Em relação a essa... Situação?

— Tá sim. Já faz quase três anos Pietro, você superou, eu superei. - Eu digo, mas sinto como se estivesse contando uma mentira. Minha garganta está seca e o ar parece se esvair de meus pulmões. Pietro assente, olhando para os próprios pés, não acredito que ele ainda tem essa mania.

— Eu não esperava que você viesse hoje, se eu soubesse não teria vindo... - Sabia!

— Pietro, por deus! Nós não estamos mais no ensino médio! Você não precisa correr atrás de mim, muito menos evitar lugares por saber que vou estar lá.

— Eu só... Lia, por que você veio hoje? Você nunca gostou daquelas pessoas - Ele pergunta e eu arregalo os olhos, surpresa.

— Eu queria te ver. - É a vez dele de arregalar os olhos, com certeza ele não esperava por essa resposta. — Eu precisava te ver, precisava conversar com você e ter certeza que não existia mais nada entre nós, ter certeza de que eu estava bem.

— Eu entendo. Você está bem?

— Já disse que sim. - Falei dando um pequeno sorriso que, provavelmente, se transformou em uma careta.

— Mas, olha, não precisa ser estranho, né? Podemos ser amigos, certo? - Ele não disse isso, quer dizer, ele disse, eu só não consigo acreditar. Como se já estivesse estranho o suficiente antes! Aliás, ele quer mesmo ser meu amigo, ou só não quer estragar as coisas com a Gabriela, com toda essa... Situação?!

— Amigos? - Eu falo dando uma risada sarcástica. — Como nós fomos quando você foi para a Nova Zelândia? - Ele franze a testa, provavelmente lembrando de ter me dito que seríamos amigos enquanto estivesse por lá. O que nós não fomos, perdemos o contato assim que ele colocou os pés naquele lugar.

— Eu...

— Só me diz uma coisa: o que houve com o "não é saudável levar a namorada em todos os lugares, principalmente quando ela não conhece ninguém que vai estar no local"? - Pergunto, um pouco magoada.

— Ela pediu para vir, eu não ia dizer não... - Mas para mim ele disse.

— Faz sentido. - Eu digo, afinal, não vou bancar a ex ciumenta, não que eu já não tenha tido um mini-surto...

— Marília, eu...

— Eu preciso ir, Pietro. Tchau e divirta-se lá. - Eu digo, dando um meio sorriso.

— Certo. Tchau. - Ele fala e acena levemente, enquanto eu me viro e vou para casa.

Por sorte todos já estão dormindo, então eu me jogo na cama e relembro alguns momentos do ensino médio com Pietro:

Nós estávamos sentados na varanda do quarto dele, era uma noite de outono e o vento batia no meu cabelo, me fazendo sentir como aquelas garotas de filmes, Pietro e eu estávamos falando sobre qualquer besteira até que ele ficou em silêncio, me olhando sério por vários segundos, até finalmente dizer:

— Eu amo seu cheiro. - Ele parou e me analisou por alguns instantes — E a cor dos seus olhos... E, com certeza, eu amo o desenho dos seus lábios. - Ele deu aquele sorriso de lado que me fazia querer passar a mão em suas covinhas, acariciou a minha bochecha e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. "Eu realmente devo estar dentro de algum filme", pensei. — Eu amo o som da sua risada e o modo com que você joga as verdades na minha cara, amo o fato de você estar sempre com um livro em mãos e amo quando entrelaça nossos mindinhos. - Ele pegou minha mão, deu um leve beijo e entrelaçou nossos dedos. — Amo o modo com que reclama quando acha que tem algo errado e amo o fato de a opinião alheia nunca te amedrontar. - Ele respirou fundo, como se estivesse ensaiando para dizer algo, até que finalmente disse: — Lia, eu amo você.

***

Meus olhos estão marejados, não é que eu ainda o ame, eu só... Não sei dizer, acho que é uma espécie de posse por algo que nem é mais meu. Uma nostalgia imensa daquela época, a saudade de apenas tê-lo por perto, de tê-lo para mim... O quão estranho é pensar que as pessoas simplesmente seguem em frente? Que há um tempo ele estava dizendo que me amava e sofrendo por ter de me deixar, mas agora ele está dizendo que a ama e está feliz por estar ao lado dela? Como as coisas podem mudar assim, sem aviso prévio? Como ele pode falar em sermos amigos quando nós mal conseguimos agir naturalmente quando estamos próximos?

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