Capítulo 4

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Levantei com uma sacudida brusca do barco. Era de noite e a madeira do barco rangia de um jeito tenebroso.

Ouvi passos no andar de cima, parecia ser tarde da noite. Estou há horas esperando que eles vão dormir para sair do quarto. Mesmo sabendo que não posso me atirar no mar, talvez encontre algo que ajude. Pelo menos um mapa, para saber onde estamos.

Não sei quanto tempo passa até não ouvir mais nada, os segundos parecem se arrastar. Sento na ponta da cama e coloco os pés no chão frio. "Certo Adhara, você consegue." penso. Fico de pé, agora vem a parte em que eu geralmente me desequilibro. Dou alguns poucos passos e caio no chão. A cadeira próxima a cama me serve de apoio e me levanto novamente. Vou cravando as unhas na parede de madeira e dando passos pequenos, o movimento do barco não ajuda. Abro a porta devagar, prendendo a respiração.

Fico cara a cara com o corredor, agora mais escuro do que nunca. Preciso chegar na escada de madeira. Vou tateando as paredes no escuro. Não posso cair. Até respirar parece um grito nesse silêncio.

Seguro-me forte nas paredes e alcanço o vão da escada. Vou subindo devagar. Os degraus rangem com o meu peso, mas o som se mistura com os estalos da madeira de toda a estrutura. Em vez de virar para a esquerda, em direção da Copa, vou para a direita, de onde vinha a luz de algum cômodo em que a porta não fora fechada.

O corredor direito parece se inclinar para cima e possui mais janelas, posso ver a chuva caindo. Era uma noite de tempestade. Chego perto da porta de onde a luz sai e espio. Escuto murmúrios baixos e vejo que os três estão sentados em volta de uma mesa.

Achei que o fim dos sons de passos no navio era porque tinham ido dormir. Mas estava enganada. Parecia ser a cabine do capitão.

O barulho do radar apitando e a chuva caindo no vidro das janelas dificultava que eu entendesse o que diziam. Me concentrei nas palavras.

- Como vamos explicar que saímos do cais em um navio com três homens e voltamos com uma garota?

- Ela não é uma garota. A parte peixe está escondida em algum lugar, não podemos perder a mercadoria. Temos que fazer alguma coisa.

- A mercadoria já era Rafael, graças a você inclusive.

- Cala a boca, Jake.

- E se mostrarmos o vídeo para os jornais?

- Está maluco Nicholas? Acha que os jornalistas não perguntariam o que uma armadilha para tubarões fazia em um navio de pesca de siris? Você quer ser preso?

- Talvez se jogarmos ela na banheira com água doce novamente, a cauda volte - a frase faz um calafrio percorrer o meu corpo.

- Podemos tentar, mas eu não colocaria minhas expectativas nisso.

- Por mim, podemos jogá-la no mar. Como se ela nunca tivesse entrado no barco.

- Não podemos fazer isso!

- Deixe de ser hipócrita, Nicholas! Aceita cortá-la ao meio, mas não afogá-la?

- Nunca disse que era a favor disso! Nem sabia que sereias existiam antes de entrar nesse barco.

- Calem a boca, vocês dois. Quando voltarmos para a cidade, leve ela para a sua casa, Nicholas. Você é o único que mora sozinho, ninguém fará perguntas. Precisamos de tempo para bolar um plano.

- Podemos dizer que paramos em outro porto antes de chegar e demos uma carona para ela.

- Não sei se alguém acreditaria nisso, mas acho que é nossa única alternativa.

- Deixe ela na sua casa até descobrirmos o que fazer. Eu tenho uma ideia melhor do que vender o peixe. E tenho alguns contatos que podem ajudar.

- Uma ideia melhor? Jake, você sabe quanto o quilo de carne deles vale no mercado negro?

- É claro que sei seu idiota, mas ela pode nos render mais dinheiro viva do que morta. Se soubermos como usá-la. Darei mais detalhes depois que chegarmos ao porto. Preciso pedir alguns favores antes.

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Volto para o quarto e me sento na cama, atordoada. Estou completamente à mercê da boa vontade desses psicopatas. Não posso pular no mar, pois provavelmente morreria. Não posso ficar aqui. Se não me matarem talvez ficar viva seja pior.

Não saber qual a ideia de Jake fazem todos os cenários horripilantes possíveis passarem na minha cabeça. Não consigo pensar em nenhuma saída além do porto. Talvez os outros humanos não acreditem neles quando virem que voltaram comigo.

Apesar do mar estar logo abaixo do casco do navio, me sinto a mil quilômetros de casa. Minha pele tem ressecado cada dia mais e meus instintos imploram para que eu pule no oceano. Ouvir o som das ondas é um lembrete constante da minha realidade. Estou perdida.

Caio no sono em meio às lágrimas.

Quando acordo, Nicholas está sentado na cadeira ao lado da cama. Olho para ele com os olhos inchados. Me sinto cansada e apática.

- Coma alguma coisa - ele aponta para um prato sobre a cômoda pequena. Me sinto derrotada, tenho vontade de comer e ao mesmo tempo de não comer nunca mais. Morrer de inanição seria uma escolha minha, pelo menos.

Mastigo devagar. Quando termino, fico alguns minutos olhando para ele em silêncio. Nicholas sustenta o meu olhar.

- Por favor, me deixem ir - minha voz treme.

Sua postura muda e vejo que ele tem sentimentos conflitantes. Parece cansado. Passa a mão pelo cabelo e inspira profundamente.

- Sabe, estou trabalhando há poucos meses com esses caras - ele fala, como se estivéssemos em um confessionário - Quando aceitei o emprego sabia que a maioria dos navios de pesca praticavam atividades ilegais. Mas nunca imaginei que matar pessoas estivesse incluído no emprego.

- Não sou uma pessoa.

- Não? Pois parece bem humana para mim.

Ficamos nos olhando, em desafio.

- Olha, em breve chegaremos ao porto - ele dá o braço a torcer - você vai ficar comigo. Posso te ajudar, mas vai precisar fazer algo por mim.

- O que você quer?

- Me conte sobre a sua espécie. Vou documentar tudo, mais pessoas precisam saber sobre vocês.

- O resultado disso seria a destruição mais acelerada do meu povo. Nunca faria uma coisa dessas - digo, ultrajada.

- Esses são meus termos.

AdharaWhere stories live. Discover now