Capítulo 26

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Nunca fui o tipo de pessoa que resolve alguma coisa assim, do nada. Sempre tive tudo muito bem organizado, cronometrado e milimetricamente planejado em uma listinha que me auxiliaria no momento certo. Entretanto, por algum motivo totalmente anormal, eu decidi sair de Paris e ir para Londres assim, do nada. Não me despedi de ninguém. Somente entrei na casa e cuidei para não fazer barulho. Coloquei algumas peças de roupas em uma bolsa e saí porta a fora. Engoli a vontade de me despedir da minha mãe, pois sabia que agora seria muito mais difícil do que da primeira vez. Eu estava deixando tudo e nem mesmo sabia o motivo exato disso, mesmo que, no fundo, eu saiba exatamente o que está acontecendo.

Eu simplesmente não conseguia ampliar novos horizontes e finalmente me ver com outra pessoa no futuro. Mesmo que a realidade esteja sendo dura comigo, eu ainda acreditava que David não poderia estar mentindo o tempo todo sobre o que sentia. Não era possível. Além do mais, tinha medo de que isso tenha tido algo a ver com sua mudança de humor, a bipolaridade que tinha e demorou tanto para conseguir controlar. Se fosse isso mesmo, eu teria que ajuda-lo, pois mais tarde poderia se arrepender do que fazia.

As longas horas no avião — que mais pareciam dias — me deixaram enjoada e imersa em muitos pensamentos como, por exemplo, o que eu diria para ele quando chegasse à empresa. Qual seria a reação dele ao me ver? Eu estava ensaiando todo o tempo minhas falas, mas quando o avião aterrissou eu não sabia o que dizer e nem mesmo queria sair da cabine. Me sentia um tanto presa na poltrona e, outra parte de mim, gritava para sair e correr atrás do que eu queria. Quando por fim todos os passageiros desceram, os acompanhei, encaixando-me no último lugar da fila, a bolsa pendendo de um dos ombros.

Quando senti a brisa fria de Londres bater contra meu rosto senti a irresistível saudade desse lugar. O zumbido dos carros presos no trafego, o cheiro de comida pairando no ar, as pessoas apressadas caminhando de um lado para o outro, os prédios históricos e clássicos, os carros de diversos modelos caríssimos arrastando as rodas pela estrada, tudo me fazia acreditar que esse era o meu lugar, independente das minhas limitações e de todas as outras coisas que me esperavam fora daqui.

Assim que virei à esquina e olhei à minha direta, parei e respirei fundo. Lá estava a empresa, alta e cheia de vidraças. Me perguntei se Dabrya ocupava novamente meu lugar na recepção do lado de fora da sala de David. Ao pensar sobre isso, senti um aperto no peito. Contudo, sobre todas as coisas, mandei todos os pensamentos para bem longe e tomei coragem para atravessar a longa estrada de faixas duplas, que me davam acesso à empresa. Depois de alguns passos do lado esquerdo da rua, virei e enfim fiquei de frente para a portaria da famosa empresa Marinho's, que tinha uma grande influencia no mercado e, além de tudo, tinha muitos empresários cobiçando a mesma.

Olhei para Harry, o segurança, e fiz menção de entrar. Ele colocou o corpo gigante em minha frente — o mesmo que eu e Raquel costumávamos apelidar como "armário" — e fez a cara mais carrancuda que pôde.

— Qual é, Harry — falei, dando um soquinho de brincadeira em sem ombro, tentando não mostrar meu cansaço.

Ele não mostrou humor algum.

— Você não tem permissão para entrar aqui, Grey. — disse-me.

Estreitei os olhos em sua direção. Sentia o vento soprar contra minhas costas, bagunçando os cabelos de minha nuca. Encolhi os braços em frente ao peito, tentando, inutilmente, me proteger do frio. Ele amenizou o rosto duro, mas mesmo assim ficou impregnado na minha frente.

— Por favor — falei com a voz mais graciosa que podia. — Por favor... Se quiser eu digo que você estava pegando uma xícara de café, ou que eu entrei escondida por uma passagem secreta...

Ele não disse nada.

— Por favor, Harry — pedi outra vez.

Ele me olhou nos olhos e por um segundo pensei que ele iria me tirar dali há socos e chutes. Mas então suas sobrancelhas, que antes estavam juntas, voltaram ao lugar com sua devida separação entre elas. Ele destrincou o maxilar e deu um passo para o lado, cedendo um pequeno espaço para que eu passasse. Não pude deixar de mostrar meu entusiasmo, dando um tapinha em seu ombro quando passei, agradecendo-o pela gentileza. Olhei pelo canto dos olhos a recepção e vi que ali estava uma mulher estranha, que eu nunca vira antes, ocupando temporariamente o lugar de Raquel. Continuei minha corrida e ignorei completamente quando ela murmurou algumas coisas para mim, certamente pedindo para que eu parasse. Cliquei no botão do elevador e jurei a mim mesma que se ele demorasse mais do que dez segundos, eu subiria pelas escadas. Provavelmente não teria muito tempo até a maldita da funcionária ligar para David e lhe informar da confusão. E se tratando de confusão, ele saberia que eu estava ali. As portas finalmente se abriram no tempo que eu contei como sete segundos e meio. Entrei ali, batendo o pé no chão exatamente como minha melhor amiga fazia e eu tanto detestava — e reclamava até ela parar. O elevador parou no segundo andar, abrindo as portas. Antes de eu dar um passo para fora do mesmo, vi Toby em minha frente, arregalando os olhos quando me viu. Apostava a minha casa inteira que ele já sabia sobre eu e David, e sobre o que ele fez. Certamente ele ouviu uma história mal contada que com toda a certeza beneficiaria David.

O Chefe - com David LuizWhere stories live. Discover now