1. (Epílogo) Bonança

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Então não sinto mais nada. Voltei àquele torpor insensível...

Agora, meu ouvinte, meu gravador sincronizou novamente, pois, desde que eu havia saído da base com Krain, por uma falha eletrônica, eu estava com delay de gravação. Este meu mecanismo é automático, então o delay me fazia gravar tudo depois de muito tempo. Como passei um tempo introspectivo, foi possível sincronizar...

Enfim, eu estou há uns minutos parado olhando para frente, à luz do dia começa a adentrar o galpão. Meus olhos demoraram a se acostumar com a luminosidade, as cores pareciam fortes demais para mim e o vento tocando minha pele parecia mais ácido do que o normal na Terra em que vivo. O cheiro da poeira do galpão me agredia as narinas, mas eu ignorei até parar. Minha saliva fazia quase cócegas na minha boca, sentia cada átomo em todos os meus sentidos, desde o vento até o resto de ptialina que quebrava o amido restante do pão que comi pela manhã, antes de começar meus últimos testes, no fundo da minha bochecha esquerda, depois descendo sinuosamente pelo meu esôfago... Acho que já se passou tempo demais, preciso levantar. Lá fora, há um mundo me esperando. E o mundo não é belo, nem nunca foi.

Ponho meus pés no chão, meu corpo está pesado; meus olhos não estão, eu estou com uma atenção muito mais perceptiva. Sinto a mais plena liberdade, cada músculo do meu corpo se move com total controle. O ar parece fazer parte de mim, a terra sob mim, a água a metros de distância, no lado de fora, os grãos de poeira sobre os objetos e suspensos... Eu me sinto universal.

Quando começo a andar, percebo que havia destruído minhas botas. Minhas solas estão diretamente em contato com o solo, isso me reconforta. A natureza parece me acolher e eu me sinto seguro... Acho que posso dizer que estou me sentindo numa espécie de nirvana. Eu estou mais pálido que o normal, por ter ficado tanto tempo submerso em água, mas minha cor voltará logo...

Poucas vezes na vida me senti tão feliz... E leve.

Saio. No lado de fora estão Üb, Rylla e meu invasor.

Üb, de longe o mais alto dos três, está com uma das mangas da camisa verde ainda inteira, a outra foi cortada para fazer seu curativo; seu braço ainda está com um pouco de marcas vermelhas sobre a pele parda e poucos pelos, que observo uma a uma até chegar em suas longas unhas afiadas... Seu jeans está surrado, nada demais e seus sapatos, ainda lustrosos. Seu cabelo longo e branco está sujo de sangue contrastando o vermelho vivo entre todas aquelas cores claras, assim como na sua barba cinzenta. No braço exposto, o cabo que liga o taser a seu pulso está também.

Rylla é uma mulher estonteante, assim como imaginei quando apenas a sentia... Pele muito branca, olhos verdes-brilhante, cabelos ruivos ondulados e medianos chegando um pouco abaixo dos ombros, corpo com belas curvas e bastante em forma; mulheres para se manterem no exército, passam por muitos treinamentos físicos para garantir que elas deem conta de todo tipo de trabalho braçal. Porém, com as armas que eu percebia abaixo de sua roupa e a composição dos seus músculos... Ela poderia superar a força de muitos soldados facilmente. Agora que chego perto deles, ela olha para trás e seus cabelos ruivos me lembram chamas, com sua tonalidade forte; os cabelos repousaram logo nos ombros do seu colete azul num belo conjunto; também usava jeans e, ao invés de sapato, um coturno preto.

Estou entre eles, porém não disse nada ainda, nem eles.

Meu invasor é um rapaz musculoso e menor do que eu e Üb. Ele parece ter uma confiança que supera muito a sensatez, um idiota de olhar sonhador. Fora isso, ele é atraente, de pele parda com uma tonalidade consistente; tem ombros largos, braços e coxas grossos, mãos enluvadas deixando escapar os dedos longos e grossos, cabelo cacheado definido, olhos muito escuros e seu rosto emoldurado nos cachos é duro e másculo, estranhamente. É um conjunto que tem coisas diferentes que mesmo assim, nele, ficam bonitas. Ele está todo de preto, desde o colete até o coturno.

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