Águas de Março

4 - Não era pra ser tão fatal.

Perdi a manhã inteira organizando as coisas em meu quarto, minha coluna queria sair pelo meu corpo. Uma massagem seria mais do que bem-vinda. Quando terminei de almoçar depois do meio dia e me deitei um pouco para esticar as costas, ouvi meu celular tocar enquanto carregava na tomada ao lado da cama. Revirei os olhos e respirei fundo. Sempre tem um para foder com seus planos. E na minha vida esse alguém sempre era Taylor.

: - O que é?

Atendi resmungando, me jogando na cama de volta. Encarei o teto sob um bocejo, largando minha mão livre em cima da minha barriga.

: - Acordou com o pé esquerdo hoje?

Ouvi a risada de Taylor do outro lado da linha e fiquei com mais tédio ainda.

: - Acordei com o corpo todo do lado esquerdo. – Verifiquei o esmalte que dava cor as minhas unhas antes de levar o dedo indicador à boca. – Fala logo o que tu quer antes que eu durma com o celular na mão.

: - Amo esse teu mau humor. – O lado estranho de Taylor era que quanto mais eu a chutava, mais ela grudava no meu pé. Só amor explica isso. – Preciso que quebre um galho muito grande pra mim essa tarde, Mila.

: - Ai, não, hoje não, Tay... – Fechei os olhos com força e me deixei afundar mais no colchão. – Estou sempre quebrando galhos pra você, mas hoje estou impossibilitada.

: - Por favor, Mila, por favor! – Odiava quando ela implorava. – Vai, eu tenho ginecologista daqui a pouco e não vou poder ir. Quebra essa pra mim, depois faço o que você quiser.

: - Ir aonde? Você só me mete em roubada.

: - Lauren precisa comprar os móveis do apartamento hoje. Eu prometi que a levaria, mas esqueci que tenho ginecologista marcado. Então pensei em você e sei que não tem nada pra fazer essa tarde. Vai, faz esse favor pra sua melhor amiga, não custa nada. A leve no shopping de carro rapidinho e depois, pronto, voltem para casa.

Levar Lauren para comprar os móveis do apartamento? Por que aquela puta não disse antes? Me sentei tão rápido quanto me deitei. Era tão perturbador o fato da menção do nome daquela mulher mudar o meu humor drasticamente. Será que Lauren era a reencarnação de Elis Regina ou algo assim?

: - Eu levo sim, de boas. – Mordi o lábio inferior, encarando o lado de fora da janela. – Bem, se ela quiser, é claro. Ela parece ficar meio incomodada na minha presença.

: - Ela já aceitou, Mila, já está arrumada te esperando. Se arrume logo e esteja aqui em dez minutos, Lauren odeia esperar. Suponho que não vai querer que ela fique de mau humor do teu lado o caminho todo.

: - Ninguém fica de mau humor ao meu lado, querida. – Zombei ao meu levantar, calçando as havaianas. – Em dez minutos estarei aí.

: - Obrigada! Te amo muito.

: - Interesseira.

Taylor riu antes de desligar, me deixando com um sorriso estranho no rosto.

Tomei um banho enquanto pensava no que vestir. Nunca me preocupei em me arrumar para ir ao shopping, que diabos estava havendo comigo? Decidi ser eu mesma, ou seja, simples. Não sei o que eu estava querendo agradar, mas caso realmente quisesse, tinha que gostar de mim do jeito que eu era, certo? Certo! Vesti o que vestia sempre, short jeans, uma blusa fresca e havaianas. O calor do Rio de Janeiro não me deixava usar nada com mais pano que isso. No pescoço, minhas contas d'Oxum, jamais dirigia sem elas. Minha proteção tinha que estar em seu lugar de lei. Coloquei os óculos de sol, peguei meu Iphone, dinheiro e as chaves do carro, saindo do quarto depois de pedir proteção a minha mãe e prometer, novamente, que em breve cumpriria minhas obrigações com ela. Não gostava de estar em falta com meu Orixá, aliás, acho que ninguém gosta. Sai de casa deixando Sofia aos cuidados de Regina, nossa velha empregada. Prometi que voltava logo para passarmos aquele tempo que combinamos juntas.