Capítulo 1 - Ponto de Partida

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É primavera. A neve já derreteu completamente e sol aquece a floresta. Flores começam a desabrochar aqui e ali num espetáculo multicolorido que transforma o ambiente em um organismo vivo. E os sons... O vento nas folhas, o farfalhar dos galhos e, o mais importante, os animais.

Ando silenciosamente de um ponto ao outro, o arco nas mãos e uma flecha em posição. Avisto o esquilo escalando a arvore. Solto a corda. A flecha adentra certeira em seu olho e o esquilo cai. Recupero minha flecha e minha presa. Repito o processo por mais meia hora, armo algumas armadilhas e começo a voltar para o Distrito 12 com dois esquilos e um coelho de prêmio.

Já se passou um mês desde que Peeta retornou ao Distrito e as coisas estão começando a entrar em uma rotina conforme as pessoas tentam recomeçar suas vidas. A mineração de carvão voltou à ativa, mas dessa vez com turnos de trabalho bem menores e remunerações mais altas. Alguns aceitaram voltar, outros não. Aqueles que se recusaram a trabalhar nas minas agora tem novas opções de emprego. Uma fábrica de remédios já está em operação e muitos se dirigiram para lá.

O novo prefeito da cidade, Thom, um velho amigo de Gale que trabalhava com ele nas minas, está tentando reformular o Distrito. As áreas mais afetadas pelo bombardeio estão sendo limpas e novas fundações estão sendo construídas. A ideia é que, nessas áreas, casas populares sejam construídas. Algo simples, mas bem feito, sólido e confortável. Muito mais do que qualquer um de nós do Distrito pode um dia sonhar sob o jugo da Capital.

Recursos chegam todos os dias da linha de trem. A presidente Paylor reuniu os recursos acumulados na Capital, bem como o dinheiro de sobra que tinha nos cofres presidenciais, e dividiu em 14 partes iguais. Distribuídas entre os 13 Distritos e na Capital. De início achei injusto a Capital receber o mesmo que nós, mas após extravasar com Haymitch sobre essa insatisfação ele me mostrou o quanto eu estava sendo estúpida. As pessoas da Capital também sofreram com a guerra. Uma grande parte da batalha se desenrolou em seu solo. Casas foram destruídas, prédios e edifícios derrubados. Sem contar o entulho que ficou nas ruas após a batalha. A Capital também precisava de uma reformulação.

Eu sou uma das menos afetadas por toda essa agitação pós-guerra. O governo ainda não sabe ao certo o que fazer comigo. Mas, por consideração a minha participação na rebelião, eu recebo um salário mensal direto dos cofres presidenciais suficiente para pagar as despesas da casa, que não são muitas, e comida. Ainda sou uma garota da Costura, não estou habituada a ter muito dinheiro, por isso não tenho uso para a quantia que me vem as mãos, como resultado me sobra quase que 70% do que recebo.

Caçar, obviamente, não é mais necessário para minha alimentação. No entanto se tornou necessário para minha manter minha sanidade. A floresta é o unico lugar onde consigo me sentir viva novamente. Apesar de me livrar dos restos de Snow de dentro da casa, o local ainda guarda muitas memórias, dolorosas de mais para suportar sozinha. Sei que o governo só quis me ajudar ao me colocar de volta na Vila dos Vitoriosos, mas aquela casa não combina comigo. É grande demais para apenas uma pessoa e muitos fantasmas. Por isso passo o máximo de tempo que posso fora dela.

No entanto o Distrito também não ajuda. Não consigo andar pelas ruas e olhar para o rosto das pessoas que voltaram e não imaginar o rosto daquelas que não estão mais entre nós. Não consigo esquecer os corpos cobrindo as ruas após os aerodeslizadores bombardearem tudo. Os destroços dos poucos edifícios que existiam e das casas que mal se mantinham de pé. Madge. Talvez a única amiga que eu já tive na vida, doce e gentil. Morta. E acima de qualquer outra pessoa, Prim. Minha irmãzinha. Minha patinha. Meus olhos se enchem de lágrimas e um nó se forma em minha garganta ao menor pensamento relacionado a ela. O que inclui quase tudo nesse Distrito.

Jogos Vorazes - CicatrizesWhere stories live. Discover now