Saindo de Sinclair's Bay, Corey caminhou alguns longos quilômetros pela estrada escocesa praticamente abandonada até que passasse o primeiro carro. Seu pedido de carona foi ignorado, contudo. E mais dois até o meio da tarde, quando um pequeno caminhão lotado com um carregamento de refrigerante escocês parou ao seu lado na estrada. O motorista era um senhor gordinho e simpático, que sorriu para Corey com seus dentes amarelos enquanto abria a porta do caminhão e o mandava subir. Foi ali que teve a primeira visão. Corey soube, ali, naquele lugar perdido e esquecido, naquele momento fatídico e aparentemente sem importância, que seu cérebro havia se dado conta, pela primeira vez, que ele estava fora. Fora de sua cela escura e nojenta, fora dos portões altos de cercas elétricas do St. Marcus Institute, fora daquela cabana abandonada em uma praia deserta em Sinclair's Bay, Escócia.

Fora.

No mundo.

Livre.

Verdadeiramente livre pela primeira vez em três anos.

Corey se deu conta também de que, de certo modo, não sabia como se portar com uma pessoa que não médicos estúpidos, guardas ignorantes, sua irmã ou sua preciosa doutora Melissa Parker.

Sua cabeça entrou em pane, então em pânico, e tudo o que seus olhos viram foi aquela figura negra que lhe observava a poucos metros. O ar ficou pesado e a cabeça de Corey girou com a falta dele em seus pulmões. Leves espasmos descontrolaram seu equilíbrio, e Corey fechou as mãos em punho, cerrando os maxilares Olhos vermelho-rubi perfurando sua pele e fazendo cada centímetro seu arrepiar. Como se soubesse que ele não deveria estar ali, que a liberdade não lhe pertencia, que ele a havia roubado e deveria pagar por seu imperdoável crime. Por um instante, teve um vislumbre do rosto austero e irônico do investigador Josh Bethel por baixo da capa negra, chegando a acreditar que ele estava ali, que havia descoberto seu esconderijo, e que tudo estava perdido, que a vermelhidão dos olhos era uma ridícula ilusão de ótica. Então o rosto do investigador se perdeu na névoa gélida e Corey foi despertado de sua possível alucinação pelo motorista do caminhão que lhe chamava a subir mais uma vez. Corey acenou com a cabeça, respirou fundo, e subiu no caminhão. Por cima dos ombros, antes que se afastasse, teve um último vislumbre do local em que a figura aparecera, mas já não havia mais nada ali.

O motorista sorriu e deu um "boa tarde" animado, mas não fez perguntas, o que Corey apreciou e agradeceu do fundo do coração. O homem lhe ofereceu transporte tranquilo e silencioso até Glasgow, local em que descarregaria o refrigerante do interior escocês que seria sucesso no país todo, ele garantia que sim. O homem não deu sinais de que sabia quem Corey era, menos ainda de que o achara razoavelmente familiar. Conversaram pouco durante o longo caminho, parando duas vezes em um posto de gasolina para usarem o banheiro e se alimentarem de comida escocesa de péssima qualidade. Chegando em Glasgow, Corey quis oferecer algum dinheiro ao caminhoneiro, mas o homem balançou a cabeça e educadamente recusou as notas de libras amassadas que Corey lhe estendia. Corey agradeceu e adentrou a locadora de carros na frente da qual havia saltado. Por segurança e precaução óbvias evitou o aeroporto e a rodoviária, preferindo uma viagem de carro até Londres, pagando em dinheiro vivo.

Cerca de oito horas mais tarde, já no final do dia mais cansativo de sua vida, Corey finalmente chegou a Londres. Seu coração bateu forte quando chegou às fronteiras da cidade. Sua cidade natal, seu antigo lar, o lar de sua família... Seus pensamentos voaram diretamente a Chelsea, à luxuosa mansão da família Sanders, ao conforto de que desfrutou por anos, à mãe, à querida irmã que entraria em pânico se soubesse que ele estava ali, ao pai que o abandonara completamente após o fim do julgamento que o condenou a uma vida trancafiado pelos portões de um manicômio judiciário. Então foi diretamente a Melissa, em um ponto desconhecido daquela vasta cidade que tanto amava e da qual tanto sentia saudades. Respirar o ar londrino se mostrou ser uma espécie de alento, um muito bem-vindo, dado o fato de que Corey não se sentia tranquilo desde a visão da estrada perdida na Escócia. Sua cabeça nunca antes esteve tão... Exausta. Nem mesmo quando teve que processar o fato de que passaria o resto da vida atrás das grades. Nada era mais penoso do que a saudade que sentia dela, especialmente quando sabia que já não se encontrava mais a longos e tortuosos quilômetros de distância, mas talvez apenas algumas quadras.

Lobotomia (Livro II)Where stories live. Discover now