Capítulo 1 - Dias Atuais

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Mais uma vez, o homem aproxima-se de mim lentamente. Eu sei que é o mesmo das noites anteriores, embora nunca consiga ver o seu rosto. Eu apenas sei.

Ele caminha na minha direção como um gato que está à espreita de sua próxima refeição. Até seu andar parece felino. Quando ele fica a um passo de distância, levanta sua mão direita, alisa meu pescoço com seu dorso e coloca uma mecha solta do meu cabelo atrás de uma orelha. Fala algo que eu entendo como "sinto tanto sua falta, amor" e, logo após, cola seu corpo ao meu. Eu prendo a respiração esperando, ansiosa, pelo próximo passo daquele roteiro tão familiar.

Preciso levantar bastante a cabeça para encará-lo. Mesmo que não possa vê-lo, continuo tentando minha sorte, noite após noite. Ele abaixa-se e toma uma respiração profunda, como se estivesse inalando meu perfume. Depois, descendo um pouco mais a sua cabeça, toma minha boca em um beijo levado pelo desespero. Eu retribuo com igual sentimento. Tenho saudades dele, mas nem o conheço. Quando o beijo é quebrado, sempre por ele, percebo que começo a ver tudo com menos clareza. Embora o estilo dos ambientes, que são palcos dos nossos encontros, mude constantemente, eu sempre consigo vê-los com exatidão.

A única coisa que não vejo é o rosto do meu par. Então, quando tudo começa a se distanciar e a ficar nebuloso é porque sei que chegou a hora da separação. Eu sempre falo a mesma coisa:

— Não quero ir. Meu lugar é com você.

No que ele me responde:

— Meu lugar também é com você.

Contudo, dessa vez, ele disse:

— Está perto, meu amor. Está muito perto.

Nesse momento, eu acordei. Suada, com a respiração ofegante e desorientada, eu levei algum tempo para me convencer que tinha sido apenas mais um sonho esquisito com o meu homem imaginário.

Ainda deitada na minha cama, eu me perguntava sobre a mudança no roteiro do sonho. Tantos anos seguindo a mesma fórmula e hoje, por nenhuma razão aparente, uma frase diferente fora dita. Esses sonhos me perseguiam desde os meus dezoito anos, o que me lembrava que já contavam dez anos que eu sonhava a mesma coisa. Bem... quase a mesma coisa. Isto porque, às vezes, os ambientes ficavam diferentes e as roupas mudavam. As únicas coisas imutáveis eram: o beijo ardente, o amor inebriante e as frases ditas... ao menos, até esse último sonho. Estranho... ou ainda mais estranho.

Coloquei um braço sobre os meus olhos e suspirei. O que poderia ser mais esquisito do que você amar alguém que nunca viu? Que apenas aparece durante o sono e nem o rosto mostra? Como diabos eu o amava? Porque sim, eu amava o estranho.

Algum tempo atrás, cansada de tentar responder essas mesmas perguntas por anos, procurei a ajuda de alguns profissionais, mas nada foi resolvido. Durante um tempo, tomei remédios para dormir, porém, desisti pouco tempo depois. Eles me deixavam meio grogue no dia seguinte e eu temi ficar viciada pelo uso contínuo. Além do mais, eu sentia saudades do meu maldito homem imaginário. Os remédios me tiravam os sonhos, e eu percebi que não podia mais viver sem eles. Preferia a angústia de não poder tê-lo realmente do que a saudade pela sua ausência. Só podia estar louca, não havia outra resposta.

Depois de tomar uma longa respiração, que denotava um pouco o cansaço que sentia, olhei para o despertador no criado-mudo e vi que faltavam cinco minutos para ele tocar. Não entendia porque eu continuava a programar o aparelho, se sempre o sonho me fazia acordar antes dele fazer o seu trabalho. Mesmo assim, eu o esperava apitar. Tinha uma relação de amor e ódio com o seu barulho irritante, mas, assim como os sonhos, não conseguia viver sem ele.

Então eu te vi -  Duologia À primeira vista - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora