35| Lágrimas da chuva

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Sabem aquelas personagens dos filmes que não têm sorte nenhuma na vida mas, subitamente, algo na sua história muda e tudo passa a ser uma incrível sucessão de acontecimentos espantosos e surreais? Bem, eu sentia-me exatamente como uma dessas alminhas fictícias, invencível e espantosamente satisfeita com a reviravolta que nos tinha salvado de uma enfadonha noite de quinta-feira. Como Luke afirmara, somente quatro dias nos restavam até voltarmos ao Inferno (também conhecido como Escola Secundária) e, a partir do momento em que alguém comete um rapto ou é raptado, passa automaticamente a vivenciar uma experiência inesquecível e, diga-se de passagem, muito fixe. Estas férias, que pareciam nunca mais acabar, tinham agora tomado uma nova cor e pareciam bem mais interessantes e alucinantes. Teríamos uma boa história para contar aos nossos netos e, sobretudo, para nos gabarmos aos amigos e conhecidos que no primeiro dia de aulas nos iriam abordar com a tão esperada pergunta: O que é que fizeste nas férias? Bem, caros amigos, eu fui expulsa de um supermercado, incendiei a minha própria casa, fui viver com um rapaz irresistivelmente atraente, pintei o cabelo de roxo, tive um ataque no meio de um centro comercial, desmaiei nesse mesmo centro comercial, beijei o dito cujo rapaz atraente, conduzi um carro pela primeira vez, fugi de casa duas vezes e raptei um arranha-céus. Nada mau, hã? Portanto, nesta altura do campeonato, já não existe grande coisa a perder. Podíamos cometer uma loucura, saltar de uma ponte, fazer o que nos apetecesse. Éramos invencíveis e ninguém nos podia parar.

"Acho que estamos perdidos.", Michael ligou os faróis do carro, tentando ver através da escuridão que nos envolvia. A estrada por onde conduzíamos encontrava-se completamente deserta e a única coisa que existia à nossa volta eram árvores e rochas. Sinistro mas excitante. "Estou a conduzir há horas, já nem sinto as pernas!"

"Não podemos parar agora.", afirmei com um sorriso nos lábios, tentando encontrar algo positivo nesta nossa viagem incerta. "Luke, faz algo de útil e procura um GPS no telemóvel."

O loiro, bem-mandado e obediente, ergueu o seu telemóvel e mexeu nele durante alguns minutos, concentrado na tarefa. A nossa noite não podia acabar desta forma; nós não podíamos estar perdidos no meio de nenhures, sem diversão e motivos para dizer que tudo valeu a pena. Tínhamos de encontrar uma solução e rumar na direção de uma luzinha que nos guiasse até ao núcleo do local onde os nossos sonhos se tornariam reais, nem que para isso tivéssemos de passar a noite toda a conduzir.

"Existe um bar daqui a três quilómetros.", Luke murmurou, fixando o aparelho que tinha entre mãos. "Continua a seguir em frente, havemos de lá chegar."

"Aposto cinco dólares em como não existe bar nenhum.", Michael bufou, espreguiçando-se. Lancei-lhe um olhar furtivo e repreendi-o por tirar as mãos do volante, no entanto, o moreno não parecia minimamente preocupado com esses pormenores, dizendo-se cansado e farto de estar sentado. Deve preferir ter um acidente e voar até ao lindo e maravilhoso céu.

"E eu aposto dez em como tu estás errado.", revirei os olhos, chateada com o seu mau-humor. Michael parecia uma daquelas raparigas com síndrome pré-menstrual a quem ninguém pode dizer nada, caso contrário começa a gritar e a mandar tudo pelos ares como um gremlin cheio de fome. Ele é uma diva quando tem fome.

"Adivinhem só quem está a enviar-me mensagens!", Luke exclamou, como se tudo no mundo fosse insignificante ao lado daquela notícia bombástica que ele tanto queria partilhar connosco. O rapaz debruçou-se sobre os bancos e, muito sorridente, mostrou-me o visor do seu telemóvel topo de gama. Porque é que toda a gente tem um telemóvel melhor que o meu?

Sete chamadas perdidas de Mãe <3 e três mensagens recebidas de Abigail B.

Abigail B: O que a tua mãe disse é verdade? Tu foste raptado por aquela alforreca ranhosa?

Social Casualty ಌ m.cWhere stories live. Discover now