XXI. Panfleto

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Por mais que Harry tivesse tentado me convencer de todas as formas para que voltasse para Juilliard, neguei e continuei convicto no que eu havia decidido. Expliquei diversas vezes que não poderia deixar minha mãe sozinha naquele estado. Ele ficou tristonho, claro. Seus olhinhos esverdeados pareciam cansados e Harry não largou minha mão durante o resto do tempo em que ficou em minha casa.

No entanto, quando finalmente chegou o momento de embarcar no avião de volta para Nova Iorque, disse que entendia o porquê de eu estar fazendo aquilo e sorriu me dando uma bela visão de suas covinhas aprofundadas em suas bochechas avermelhadas.

Agora eu teria de lidar com a saudade de duas das pessoas mais importantes da minha vida. E não seria nada fácil.

Nos primeiros dias longe de Harry, cuidei de minha mãe praticamente vinte e quatro horas por dia. Dormia ao seu lado na cama e ela ainda insistia em dormir no quarto de hóspedes. Talvez tivesse medo de enfrentar a triste realidade de dormir sozinha, sem meu pai ao seu lado na cama de casal.

Com minha pouca habilidade na cozinha, preparei sopas, chás e outros pratos com ajuda de receitas simples, porém deliciosas que provavelmente não deveriam ter ficado tão boas quanto as originais.

Lavei e passei roupa, além de tirar o pó que se acumulava na superfície dos móveis. Cuidei de Guffo e ele também cuidava de mim, me fazendo companhia enquanto Jay passava a maior parte da tarde dormindo. Ele tinha crescido apenas poucos centímetros desde que Harry o havia me dado de presente. Corria em círculos entorno de meus pés e ia em direção à janela da sala de estar para latir toda vez que algum estranho passava em frente a nossa casa.

A falta que meu pai fazia, no entanto, ainda doía dentro do peito. Certas noites eu chorava com saudade de seu sorriso e tendo a certeza que eu nunca mais iria vê-lo outra vez. A aceitação fazia parte do processo de luto e eu estava aos poucos a obtendo. O que me ajudava era recordar as boas memórias e deixá-las perto de meu coração na forma mais acessível possível.

Naquele dia, acordei cedo. Enquanto minha mãe dormia, resolvi sair para comprar algumas empadinhas na padaria que Harry havia comentado. O percurso era rápido e não demorei muito a chegar. Comprei geleia de amora também, junto a pães de água.

Na volta para casa, avistei um panfleto da pequena escola de música para jovens adultos em Doncaster. Lá eles estavam acostumados a trabalhar com música popular, muito diferente de minhas ambições com a música clássica. No entanto, como naquele pedaço de papel informava, a escola queria contratar qualquer professor de música que soubesse pelo menos ler uma partitura com facilidade.

Se eu tentasse e fosse contratado, provavelmente seria o primeiro professor de violoncelo daquele lugar de ensino.

Dobrei o papel e o guardei no bolso da calça jeans considerando a hipótese de pelo menos tentar conseguir a vaga. E mesmo que algo dentro de mim dissesse para desistir dessa ideia tola de sair da zona de conforto e se expor na frente de sabe-se lá quantos alunos, era fato que eu não poderia ficar apenas em casa cuidando de minha mãe. Precisava exercitar minhas habilidades musicais praticando todos os dias para não perder toda a desenvoltura que adquiri em anos de exercício.

Cheguei em casa e logo de cara vi Jay descendo os degraus da escada vestindo seu roupão quentinho por cima do pijama e suas pantufas claras e limpas. Sorri ao vê-la saindo da cama. Era raro o dia em que ela o fazia e eu estava feliz por ver que hoje era um desses dias.

─ Café da manhã?

─ Sim. ─ Deu um sorriso tão lindo que me fez retribuir o gesto. ─ Estou com fome e esse cheiro maravilhoso de chá não ajuda em nada.

Shy Soul (Larry Stylinson)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora