Estela conhecia o local, era o mesmo. Tinha que reencontrar Sofia e ler nela mais explicações. Na primeira vez que a viu, haviam se encontrado naquele mesmo corredor que agora cruzava com Amélia.
— Temos que encontrar Sofia — ela disse para a boneca, confirmando o que vinha pensando.
Entraram no cômodo pequeno que levava ao andar inferior. Quando desceram, a mesma gente com os olhos fixos em seus celulares estava sentada nos bancos à frente. O mesmo recepcionista estava no balcão central e as mesmas pessoas estavam presas na TV.
— Eu já estive aqui! Sei onde Sofia guarda o carrinho de limpeza. Tal-vez a encontramos por lá.
Caminhou apressada pelo salão principal do Hospital visando o depósito de materiais de limpeza que estivera anteriormente. Girou a maça-neta e empurrou a porta e se surpreendeu com o que viu.
— Feche a porta! Rápido!
— Oh, me desculpe! Pensei que encontraria alguém conhecido aqui.
— Eu sei — O homem bebeu da garrafa de vidro que portava. — Elas nunca se esvaziam, sabia?
— Sabe o que vim fazer aqui?
— Eu sei de tudo, menina, quer um gole?
O estranho tentou se levantar, mas as pernas não o suportaram. Trajava uma calça azul desbotada, chinelos e uma camiseta preta velha. Na cabeça um boné rasgado. Não era possível ver os seus olhos.
— Não, obrigada. O que há com seus olhos?
— Eu não tenho — ele deu de ombros e levantou a aba do boné.
Estela se assustou ao perceber que uma sombra projetada por objeto inexistente se formava sobre os olhos do estranho. Era como se ele fosse um desenho e alguém lhe tivesse apagado os olhos com uma borracha.
— O que vejo não é com os olhos, mas com a razão — ele balançou a garrafa, checando o conteúdo. — Você é quem sabe, não quer sobra mais. Escondi-me aqui para beber em paz.
— Procuro por Sofia.
O homem apontou a garrafa para Estela.
— Não disse que sei? É por isso que bebo! Sei o que você quer, quem você é, o que vai acontecer, o que já aconteceu, tudo! Não há novidade para mim!
— Verdade?
— Vamos lá! Você só sabe que é Estela. Chegou aqui da primeira vez, ganhou um coração-relógio de Tempo, conversou com Sofia. Voltou para cá agora e conheceu sua família, esbarrou com Tempo, entendeu de onde veio Amélia e procura por Sofia. Quer lê-la mais...
— Incrível! Você é deus?
O homem arremessou sua garrafa com fúria contra a parede.
— Pareço deus para você? Eu sou alguma coisa que sabe demais e sofro por isso.
Estela estava assustada com a violência demonstrada. Virou-se para a fechadura a fim de deixar aquele cômodo, quando ouviu:
— Não há nada depois dessa porta. A mim é quem busca.
A moça deixou a maçaneta. Voltou-se para o estranho sentado no chão do pequeno depósito. Disse-lhe:
— Começo a compreender que você é como Sofia. Algo me diz que não podem coexistir, embora saibam da existência um do outro. Foi por isso que ela me pediu para mandar-lhe um abraço.
Ele balançou a cabeça em afirmação. Então respondeu como se Este-la merecesse conhecer o seu nome:
— Chamo-me Salomão. É assim que você começará a desvendar os mistérios da realidade — ele ainda continuava sentado, agora procurando alguma coisa nos bolsos da calça.
Com esforço, apoiou o corpo com as mãos e tentou pela segunda vez se levantar. Fez gestos insinuando para que Estela se aproximasse e o ajudasse. Ela chegou perto, apesar do receio. Estranhamente Amélia ha-via desaparecido.
— Não se preocupe com a boneca — Salomão segurou firme a mão de Estela.
A garota fez força para levantá-lo. Quando ele estava em pé, balançava de um lado para o outro, como se fosse cair a qualquer momento. Estela servia-lhe de apoio.
— Preciso fumar. Ajude-me a sair do Hospital.
Ela concordou e ainda servindo de apoio ao ébrio recém-conhecido, dirigiu-se para fora do quartinho. Andaram lentamente até o portal de vidro que dava acesso à rua. No caminho os passos de Salomão foram ganhando força até o ponto de não precisar mais de apoio. Quando chegaram ao destino algo estranho ocorreu. Os pés de Estela não davam o passo seguinte. Uma força a impedia de transpassar pela porta aberta. Salomão já estava do lado de fora, ainda cambaleando, mas agora forte o bastante para manter-se em pé por si mesmo.
— Que foi? — ele disse.
— Não posso atravessar.
— Ora, eu vou sozinho!
Estela não podia sair do Hospital. Por quê? Pensou Tamires ao inter-romper sua leitura. Percebeu que a cunhada tocava o violino com eficiência e tentou imaginar quantos segredos guardava aquela pessoa. Mais uma referência real pôde ser identificada. Salomão representava o mendi-go que vez ou outra era visto caído nos corredores do Hospital Escola. Es-ter também não havia se esquecido dele! Os textos podiam revelar-lhe muito mais do que as consultas com o doutor Társio. Pensando melhor: poderiam ajudar o próprio médico no entendimento da enfermidade de Ester. Ajudar a todos.
— Bravo! — Tamires bateu palmas ao final da melodia.
— Agradecida — Ester fez uma reverência —, embora não saiba quem é você.
— Diga-me mais sobre suas histórias. Acabei der ler outra passagem em que Estela chega ao Hospital. Não entendi o motivo de a cena se repetir.
— Para falar a verdade, eu também não. Minha esperança é de que com a escrita eu possa descobrir.
— Posso continuar lendo o restante?
Ester disse que sim.
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Estela
Fantasy"Se eu dissesse que você está em casa; que toda a sua vida foi uma ilusão, lhe pareceria verdade?" Sofia indaga à Estela num dos corredores do Hospital que se encontra para ser operada às pressas devido ao seu estado delicado de saúde. Este é o iníc...