8. Foragida

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- A... Alô?! – atendi a chamada, trêmula por conversar com o namorado da minha... bem, engoli as palavras dentro de mim mesma não querendo concretizar tudo aquilo. Como se meu silêncio pudesse, de algum modo, permitir que tudo aquilo não fosse tão real quanto verdadeiramente era.

- Sou eu, Pierre! – a voz masculina pigarreou ao responder. – Bê, estou chegando ao estacionamento do prédio. – ele arfou antes de completar – Preciso que você desça o quanto antes!

Seu tom alarmante nas últimas palavras me deixou preocupada. Se ele já estava no estacionamento, deveria ter visto o que aconteceu lá embaixo... Pensei, inspirando todo ar que consegui reunir.

A situação toda era tão surreal para mim que eu não sabia o que deveria fazer. Minhas pálpebras mal se fechavam de tão pesadas que estiveram pelas lágrimas derramadas. Meu peito ainda contraía e pulsava firmemente por ter me deparado com aquela criatura hostil.

Na realidade, não consegui ver o rosto do homem, e a maneira como ele simplesmente sumiu de minhas vistas, fez meu cérebro entrar em atrito com toda a razão. Ele desapareceu sem deixar rastros, em um mero segundo. E fez com que nenhum som fosse audível.

Meu corpo não se movia à lugar algum, e eu simplesmente encarava o vazio inócuo. Não da mesma maneira que Lara fez, mas ainda assim, atordoada por tudo o que aconteceu e tentando encaixar as peças soltas daquele maldito quebra-cabeças.

- Belina, você me ouviu? – Pierre ainda estava ao telefone, chamando minha atenção – Precisa descer o quanto antes.

- Claro! – respondi, e desolada, agarrei minha bolsa.

Abri a porta de meu apartamento, enquanto meu cérebro não pensava em nada. Um vazio enorme se revelava dentro de mim.

A minha Lara se foi. Pensei, enquanto fechava a porta. Ela se foi e eu não pude fazer nada para impedir.

Martirizei-me. Eu poderia ter feito algo para impedir que Lara se jogasse? Não sei. Mas se eu tivesse sido mais esperta, eu teria conseguido. Tenha plena convicção disso, e pensar no assunto, naquele momento, somente fez com que o aperto se tonasse mais forte.

- Senhorita Belina Colombari! – o mesmo tom grave que anunciou meu nome hoje mais cedo, chamou-me novamente – A senhorita está presa!

Encarei os dois policiais que saíram de espreita do elevador.

- Co... como?! – gaguejei ao ouvi-lo proferindo aquelas palavras, ainda grogue pelo pesadelo todo.

- A senhorita foi vista na cena do crime ontem pela tarde. – o policial mais alto analisava a prancheta que trazia consigo – E novamente em outra cena, hoje. – ele desviou os olhos da prancheta, me encarando. O outro policial estava bem ao meu lado, me cercando para que eu não fugisse. – A senhora será encaminhada à delegacia até prestar esclarecimentos sobre o acontecido. – e dizendo aquilo, prendeu uma de minhas mãos com a algema que ele possuía acoplada ao cinto.

- Mas... eu não fiz nada. – berrei, sentindo as algemas frias sob meus pulsos. – Ela era minha melhor amiga, seu bando de imbecis! Eu nunca faria nada contra ela. – aumentei ainda mais meu tom de voz. Dei uma cotovelada no policial que prendia minhas mãos, acertando em seu estômago.

No outro que estava bem à minha frente, dei um chute em suas partes baixas.

Aquilo não foi o suficiente para derrubá-los, mas eu possuía uma pequena vantagem. Comecei a descer o lance de escadas. Minhas pernas faziam meus pés pularem dois degraus de uma só vez.

Ouvi os passos dos dois atrás de mim, mas não havia tempo para pensar em muita coisa. Já começava a ficar cansada quando cheguei à recepção. Diversas pessoas formavam um aglomerado comentando sobre o ocorrido: a jovem que se jogou da janela. Da minha janela.

- Não deixem-na fugir! – um dos policiais gritava ao longe, mas eu corria rapidamente em direção ao estacionamento. As pessoas ficaram tão assustadas com a cena que nem se manifestaram. Não entendiam o que acontecia, mas eu sabia que o Inferno estava instaurado: caso eu conseguisse escapar, seria uma fugitiva da polícia, desempregada e sem casa.

Pude escutar o som de algumas pessoas chamando minha atenção, mas quanto mais cansada eu ficava, mais corria rapidamente. Avistei o carro de Pierre. Faltava pouco para chegar à ele, mas assim que viu que eu me aproximava, e pessoas corriam atrás de mim, ele deu partida no carro em minha direção.

- Não temos muito tempo! – ele gritou, abrindo a porta do carro para mim.

Minhas pernas já não aguentavam correr tanto, mas tive que ser forte para correr só mais um pouco. Entrei no carro, e batendo fortemente a porta, conseguimos sair do prédio.

Avistamos um bando de curiosos olhando o corpo no chão. Meu coração enterneceu cerrando a imagem. O carro de Pierre tomou velocidade, e o prédio onde eu morava foi ficando para trás.

Meu coração que ainda batia frenético demorou para se acalentar.

- O que foi tudo isso que aconteceu? – perguntei, secando as lágrimas que ainda existiam em meu rosto. – Ainda não acredito que tudo isso aconteceu com a nossa Lara. – minha voz saiu embargada em emoção.

- Pois é! – Pierre respondeu secamente. Sei que ele nunca foi muito dado a sentimentalismos, mas querendo ou não, Lara era sua namorada. A reação dele não poderia ser mais neutra.

- Você está bem? – instiguei, encarando suas feições duras que mantinham o olhar atento à estrada.

- Por que não estaria? – respondeu com a maior naturalidade. Senti vontade de dar uns tabefes nas fuças dele.

- A sua namorada se SUICIDOU! – retornei, angustiada pelas palavras que me saiam da boca. Eu sofria com a morte de minha amiga. Mas Pierre estava tão complacente que chegava a dar medo.

- Eu sei que deveria sentir muito pela morte dela. – ele me respondeu, enternecendo sua expressão – Mas, quando a vi caída, fui tomado por dois sentimentos intensos.

- Não estou entendendo.

Ele desviou por um segundo a atenção do volante, e me respondeu.

- Eu senti apreensão pelo que aconteceu. Fui tomado por uma tristeza profunda, mas foi momentânea! – e tomando uma pausa, continuou – Mas logo em seguida, tive uma sensação completamente oposta.

- Oposta? Tá querendo dizer que ficou feliz? – estava indignada.

- Não! – ele respondeu com o olhar evasivo. – Senti como se finalmente estivesse livre! 

Não foi suicídio! Onde as histórias ganham vida. Descobre agora