Capítulo 4

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Caminhava pelo litoral em direção ao Passeio público do RJ, um grande parque em estilo francês, com alamedas que se cruzavam com belos elementos decorativos criados pelo grande escultor Mestre Valentim.


O mar naquela noite estava turbulento, as ondas subiram além da encosta e quebravam no alabastro, dando um aspecto alagadiço ao caminho. A lua era cheia e os lampiões a meia luz, sombreavam o entorno.

Ele seguia impressionado com as recentes descobertas, mas precisava ir além, aprofundar-se e entender tudo que nos últimos dias vinha passando. Estava receoso, mas não podia voltar atrás e assim caminhou na direção apontada pela misteriosa mulher.

Embora fosse noite, as ruas estavam movimentadas e alvoroçadas. Nobres transitavam em carruagens, carregadas por escravos. Havia sido anunciado há poucos dias que a família real chegaria ao Brasil. Ninguém sabia ao certo o motivo, mas as más línguas alegavam que a coroa fugia de Portugal para evitar um confronto com o recém proclamado imperador da França, o grande e renomado conquistador, Napoleão Bonaparte. A covardia do rei D. João VI havia atravessado o oceano Atlântico, apesar de alguns (mais esclarecidos) considerarem-o um excelente estrategista, por trás da aparência de um glutão bonachão.


A Cadeia Pública, na qual havia se visto em sonho, há alguns dias atrás, começava a ser desativada para ampliar o anexo da Casa dos Governadores e torná-lo um palácio provisório para hospedar a família real. E efetivamente, um tal de Tiradentes, havia sido enforcado... Mas como poderia saber seu nome, se nunca o conhecera? Essa e outras perguntas, perturbavam-o.

Ao longo do trajeto, ainda registrou situações bastante atípicas. Um homem travestido parado na mureta parecia aguardar alguém. A pederastia era um crime grave e se qualquer capitão o flagrasse, este seria duramente condenado. Contraditóriamente, alguns anos antes, uma festa marcou a vida local, quando homens se vestiram de mulher para recepcionar uma esquadra francesa. Oficiais, responsáveis pela recepção, alegaram que mulheres não tinham permissão para frequentar tais eventos noturnos. "C'est une tromperie" (É uma decepção) Frase que marcaria por algum tempo a imagem da colônia portuguesa na França. "Ce ne fut pas une terre grave" (Não era uma terra séria)...


Não se deteve muito naquela imagem e mais a frente avistou o corpo de uma mulher sendo arrastado para uma carroça. Infelizmente, era comum o assassinato de mulheres pelos maridos diante de adultérios flagrados e a lei os protegia. A mulher tinha muitas restrições e o pouco que lhe restava de liberdade era cerceada pela Igreja. Por isso mesmo, lhe chocava, aquela mulher ter sido tão solícita com um estranho! Será que ela não temia os riscos?Afinal ele era um desconhecido até então...


Enfim chegou aos belos e imponentes portões em ferro forjado no estilo rococó. Caminhou pela alameda central em direção a Fonte dos Amores e o magnífico terraço, de onde era possível apreciar as belezas naturais da Baía de Guanabara. Estranhamente, o parque estava vazio e silencioso naquele dia, em detrimento de ser um ponto de encontro da então nata da população carioca. (Por sinal, assim essas terras eram denominadas pelo Rio que cruzava chamado pelos índios tupis de Carioca - kari - Homem Branco + Oka - Casa = Casa do Homem Branco)


Parou por um instante em um dos obeliscos piramidais que existia nos jardins e se viu cercado por um grupo encapuzado, muito similares ao "assassino" de seu sonho. Assustado tentou recuar, quando em sua frente, ela apareceu. Estava magnífica, usava braceletes dourados no formato de uma serpente, uma veste leve e branca que recordava os trajes das várias estátuas gregas espalhadas por ali. Os cabelos soltos, os pés descalços e seu corpo delineado pela luz lunar.


Não sabia explicar o motivo, mas se curvou a ela em prantos, sem perceber que todos os demais, também se ajoelharam como devotados seguidores. Tentou falar, mas foi silenciado. Um dos homens colocou uma espécie de cetro em seu pescoço e falou: "Respeite a Grande Mãe e só fale quando ela solicitar". Logo, estendendo a ela o cetro.


Nem de longe parecia a mesma mulher. Toda a simplicidade havia dado lugar a uma aura divina. Talvez a ambientação e todos aqueles coadjuvantes ajudassem nesse efeito. Mas a voz ainda era a mesma, doce, embora segura. Sem motivo algum, ela o beijou na boca e abraçando seu braço, puxou-o para que a acompanhasse. Fez um gesto para que os demais ali aguardassem e em seguida começou a falar.


"Não se assuste. Tudo ficará mais claro a partir de agora." e continuou... "Me chamo Sophia, mas aqui sou chamada de a Grande Mãe. Uma antiga ordem, fundada na Grécia Antiga, descendente das pitonisas do Templo de Apolo, responsáveis pelo Oráculo de Delphos, vem transmitindo por gerações seu conhecimento. A liderança é sempre determinada pela continuidade de uma linhagem sanguínea e familiar, que apresenta uma marca inconfundível, uma mancha que se assemelha a Letra "Alpha" do alfabeto grego, grafada na nuca. Não é sem motivo, que estamos aqui esta noite. Plutarco, historiador grego e sacerdote no Templo de Apolo em Delphos, associava as vogais aos planetas e assim, correlacionou a letra à Lua. E é durante a noite, que é possível enxergar a "nossa" marca."

- Nossa marca? Tentou interrompê-la inutilmente...

- Sim, nossa marca! Apenas os descendentes, responsáveis pela continuidade da tradição são portadores das mesmas. E os membros da ordem, aqueles que observou com capuzes, procuram-os nos mais diversos recônditos do planeta, para que assim possam sustentar a tradição. Um homem e uma mulher, nascidos em regiões diferentes, considerados portadores da alma de seus ancestrais, devem casar-se e garantir a continuidade do ciclo e tradição. Essa marca, mais do que um mero sinal, costuma legar sonhos proféticos ou premonitórios que trazem esclarecimento e respostas as constantes perguntas da atualidade e do período que se encontram nas civilizações. Assim como no passado, funcionava a história do Oráculo, que já provou conhecer! Não tem tido sonhos nítidos? Já não me conhecia? Pois a partir deste momento, eu sou o seu caminho e suas respostas. Assim, como a sua prometida esposa...


Era demais para que ele pudesse absorver tudo aquilo. Embora desperto, sentia-se imerso em um sonho, mais fantasioso do que qualquer outro que tivesse tido. Era insano!


Não sabia o que dizer, o que pensar,...Mas ela parecia saber e tranquilizou-o: - "Terá tempo para refletir, mas quando se julgar preparado me procure".


- "Como a encontrarei? Nada sei ao certo sobre você, tenho mais perguntas do que respostas"


- "Não se preocupe, eu o encontrarei quando estiver pronto. Nossa ligação é maior do que possa supor. A Ordem precisa de você. Eu preciso de você" - Abraçou-o de forma inesperada e em seguida correu como uma menina sumindo na escuridão.


Ele estava completamente perdido, mas apesar do tardar da hora, tinha tudo, menos sono. Resolveu caminhar em direção ao suntuoso Outeiro e Igreja da Glória, erguida majestosa, sobre o Morro da Glória (antes chamado de Morro da Viúva). Se não era possível descansar o corpo, talvez encontrasse algum refrigério e paz para seu espírito lá.


Delphos CariocaWhere stories live. Discover now