Capítulo 3

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Despertou esbaforido com as ceroulas completamente encharcadas.

"Tudo não houvera passado de um sonho? Mas era tão nítido! Tão real! " - pensava, enquanto jogava um sobretudo sobre o corpo sem nenhum cuidado e descia as escadas em direção à rua.

A vida na colônia parecia a mesma e ele se dirigiu ao Bar do Morto, que tinha este nome, pois os frequentadores costumavam assistir o enterro dos escravos no antigo cemitério que se situava no Largo da Carioca, quando estes, enfim, puderam receber um funeral "digno" católico.

Uma briga entre um franciscano e um padre da terceira ordem do Carmo sobre limites de propriedade e bens da Igreja ganhava corpo e o distraia de seus pensamentos, enquanto seguia ali, com os cotovelos apoiados sobre o balcão.

Levantou-se após a refeição e caminhou pela Rua da Vala. "O que seria "voithia"? E aquela mulher, ora viva e ora morta, seria mero fruto de sua imaginação? - perdido em suas ponderações, assistia o ritual de abertura dos pequenos comércios de ourives judeus que começavam a estabelecer-se no Rio de Janeiro, após a revogação da proibição da corte de residirem dentro dos muros da cidade (assim como os ciganos).

De repente, no tilintar de uma das jóias expostas na vitrine, um lampejo o fez recordar! Sabia o que era "voithia" das aulas que havia feito de grego clássico na escola da Ordem Carmelita(as aulas de grego foram instituídas pela coroa portuguesa, após a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses). Voithia era "ajudar". "Ajudar o que? Quem? E porque demorou tanto a recordar isso? ( talvez devesse ao fato do trauma de palmatórias recebidas pelo seu professor na tentativa de estabelecer a ordem).

Enquanto tentava fazer alguma conexão ou sentido para a palavra recém descoberta, uma trombada lançou-o ao chão e diante dele, igualmente caída, lá estava ela, a mesma mulher de seus sonhos.

"Perdão! (Estendendo a mão e a ajudando a levantar). Eu a conheço senhorita?"

- sinto muito senhor, mas acredito que não.

-mas o rosto da senhorita é tão familiar!

Ela havia entendido que se tratava de um elogio e corada sussurrou: "talvez dos seus sonhos". Mal sabendo ela, que era justamente de onde se conheciam.

- "voithia" te diz algo?? Interrompeu-a

- fale baixo! - murmurou ela. Você já ouviu sobre "Delphos"?

- o famoso oráculo grego , no qual as sacerdotisas em estado de transe, realizavam premonições para quem as procuravam?

-vejo que conhece a história, mas me refiro ao "Delphos Carioca", uma sociedade secreta cujos membros em processo similar ao transe das pitonisas (nome dado as sacerdotisas gregas devido a vitória do Deus Apolo sobre a serpente Pyton), obtém revelações, não apenas do futuro, como uma expansão da consciência sobre assuntos cotidianos que são debatidos no grupo...

- Interrompeu-a indagando: - mas se a sociedade é secreta, porque está me revelando isso?

- Reparei que o Sr. possui a letra grega "alpha" marcada em sua nuca, o que caracteriza os membros "escolhidos" do grupo...

- Como?? Nunca tive marca alguma!

- O sr. anda tendo sonhos nítidos ultimamente? - sussurrou ela em voz mansa tentando fazê-lo recuperar a calma.

- Sonhos? Achei que eram realidades e tudo isso tem me deixado bastante confuso...preocupado...O que está acontecendo?

- Tudo será explicado no devido tempo...falou ela - apontando para o passeio público da cidade junto ao litoral...

Uma carruagem passou entre os dois, fazendo-o recuar. Logo, percebeu-se só... Ela não estava mais lá, havia sumido outra vez.


Delphos CariocaOnde histórias criam vida. Descubra agora