Despertou esbaforido com as ceroulas completamente encharcadas.
"Tudo não houvera passado de um sonho? Mas era tão nítido! Tão real! " - pensava, enquanto jogava um sobretudo sobre o corpo sem nenhum cuidado e descia as escadas em direção à rua.
A vida na colônia parecia a mesma e ele se dirigiu ao Bar do Morto, que tinha este nome, pois os frequentadores costumavam assistir o enterro dos escravos no antigo cemitério que se situava no Largo da Carioca, quando estes, enfim, puderam receber um funeral "digno" católico.Uma briga entre um franciscano e um padre da terceira ordem do Carmo sobre limites de propriedade e bens da Igreja ganhava corpo e o distraia de seus pensamentos, enquanto seguia ali, com os cotovelos apoiados sobre o balcão.
Levantou-se após a refeição e caminhou pela Rua da Vala. "O que seria "voithia"? E aquela mulher, ora viva e ora morta, seria mero fruto de sua imaginação? - perdido em suas ponderações, assistia o ritual de abertura dos pequenos comércios de ourives judeus que começavam a estabelecer-se no Rio de Janeiro, após a revogação da proibição da corte de residirem dentro dos muros da cidade (assim como os ciganos).
De repente, no tilintar de uma das jóias expostas na vitrine, um lampejo o fez recordar! Sabia o que era "voithia" das aulas que havia feito de grego clássico na escola da Ordem Carmelita(as aulas de grego foram instituídas pela coroa portuguesa, após a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses). Voithia era "ajudar". "Ajudar o que? Quem? E porque demorou tanto a recordar isso? ( talvez devesse ao fato do trauma de palmatórias recebidas pelo seu professor na tentativa de estabelecer a ordem).
Enquanto tentava fazer alguma conexão ou sentido para a palavra recém descoberta, uma trombada lançou-o ao chão e diante dele, igualmente caída, lá estava ela, a mesma mulher de seus sonhos.
"Perdão! (Estendendo a mão e a ajudando a levantar). Eu a conheço senhorita?"
- sinto muito senhor, mas acredito que não.
-mas o rosto da senhorita é tão familiar!
Ela havia entendido que se tratava de um elogio e corada sussurrou: "talvez dos seus sonhos". Mal sabendo ela, que era justamente de onde se conheciam.
- "voithia" te diz algo?? Interrompeu-a
- fale baixo! - murmurou ela. Você já ouviu sobre "Delphos"?
- o famoso oráculo grego , no qual as sacerdotisas em estado de transe, realizavam premonições para quem as procuravam?
-vejo que conhece a história, mas me refiro ao "Delphos Carioca", uma sociedade secreta cujos membros em processo similar ao transe das pitonisas (nome dado as sacerdotisas gregas devido a vitória do Deus Apolo sobre a serpente Pyton), obtém revelações, não apenas do futuro, como uma expansão da consciência sobre assuntos cotidianos que são debatidos no grupo...
- Interrompeu-a indagando: - mas se a sociedade é secreta, porque está me revelando isso?
- Reparei que o Sr. possui a letra grega "alpha" marcada em sua nuca, o que caracteriza os membros "escolhidos" do grupo...
- Como?? Nunca tive marca alguma!
- O sr. anda tendo sonhos nítidos ultimamente? - sussurrou ela em voz mansa tentando fazê-lo recuperar a calma.
- Sonhos? Achei que eram realidades e tudo isso tem me deixado bastante confuso...preocupado...O que está acontecendo?
- Tudo será explicado no devido tempo...falou ela - apontando para o passeio público da cidade junto ao litoral...
Uma carruagem passou entre os dois, fazendo-o recuar. Logo, percebeu-se só... Ela não estava mais lá, havia sumido outra vez.
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Delphos Carioca
Mystery / ThrillerNo final do século XVIII e início do século XIX, um suspense é ambientado e reconstrói o Rio Antigo. Enquanto o leitor é convidado a percorrer e mergulhar nessa atmosfera, revivendo um pouco da história do Brasil, uma trama é desenvolvida ao longo...