Capítulo 2

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Despertou com muitas dores no corpo, tentando entender o que havia acontecido. Olhou ao redor com alguma dificuldade e tudo parecia mal iluminado e sujo. O chão estava úmido e era de pedra bruta. Havia uma seteira na parede posterior, através da qual passava uma tímida luz do exterior e um pouco de ventilação, mas nela havia grades. Aliás acabou de descobrir que à sua frente, pesados portões de ferro, o fazia recluso neste pequeno espaço.

Tentou gritar, mas as espessas paredes o silenciaram. O ambiente parecia bastante degradado e ele confuso, girava em torno de si mesmo, buscando uma razão para estar naquela situação.

- "Teria sido levado para alguma alcova do assassino?" - refletia, levantando novas questões.

Avistou em um canto, um reboco caído, que revelava uma fresta para o aposento em anexo. Espiou através dela, constatou que era um ambiente igual ao que estava e nele havia um homem. Ele vestia uma bata maltrapilha, apresentava um rosto fino e uma barba longa. Por um instante, chegou a achar que estivesse alucinado e vendo Jesus Cristo...

Mas retomando a razão, chamou-o e ele se aproximou.

- "Onde estamos?" - murmurou ele.

- Na Cadeia Pública anexa a Casa dos Governadores - respondeu o misterioso interlocutor

- O que vossa mercê faz aqui? - tentando obter qualquer informação que o ajudasse a entender aquela situação

- Estou condenado a enforcamento por traição a Corte Portuguesa. Tentava a libertação de um governo republicano independente de Portugal. Me chamo Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes por ofício, à vossa disposição!

Certamente, teria ficado chocado com tal depoimento, se não estivesse imerso em suas próprias preocupações.

- "Quando podemos conversar com os oficiais? Preciso saber o que está acontecendo comigo, sou inocente..." continuou, logo sendo interrompido por aquela voz gentil.

- "Amigo, todos aqui, assim se denominam. Com ou sem razão, a punição é conferida através de uma tribuna, que segue os interesses e as ordenações "injustas" (murmurou) do Reino. Se o escolherem como fui para exemplificar à outros, passará por uma pena capital, mas pode dar sorte de receber a indulgência do exílio"... seguiu Tiradentes.

- "Sou inocente" - ele exacerbou.

"- Ainda assim, o tempo por aqui é longo. E precisará aguardar que os oficiais venham levá-lo a processo."

Interrompeu bruscamente aquela conversa. Estava inconformado! Que alegações poderiam ter contra ele?

Horas se passaram ali (ou teriam sido minutos, já que o tempo era bastante impreciso naquele calvário?) e um raio de sol tocou sua face. Levantou e logo ouviu removerem as pesadas barras que mantinham a porta fechada. Dois oficiais, poucos amistosos, seguraram-no pelos braços e o carregaram até uma saleta. Tentou murmurar alguma coisa pelo caminho, mas toda tentativa era logo silenciada pela força bruta de seus condutores, que o deixaram sozinho no recinto.

A porta entreabriu e ao longe avistou a mulher assassinada, que havia encontrado na noite anterior, VIVA! Reparou que não havia mais nenhuma marca em seu pescoço.

- "O que está acontecendo aqui? Não é possível, eu a vi! Ela estava morta! Preciso falar com ela!" - pensou, caminhando em direção a passagem.

Foi barrado por uma mão, que o empurrou para trás e logo falou:

- "Vossa mercê está livre das acusações de assassinato! Uma senhorita esteve aqui e o inocentou do apontamento de populachos que o encontraram desmaiado e asseguraram a oficiais que havia cometido um crime, embora nenhum corpo tenha sido encontrado.Vossa mercê foi apreendido para que não fugisse durante a averiguação. Mas uma vez resolvida a questão, pode ir agora e espero não vê-lo mais!" - disse com voz rouca, um homem baixo, calvo e com aspectos rudes, apesar do peito estufado de quem se considerava uma autoridade.

Não adiantava reclamar qualquer mal estar ou mal entendido sofrido. Ansiava por deixar aquele lugar e encontrar a tal mulher.

- "O que seria tudo isso?" - Pensou, sendo ofuscado por um belo dia, enquanto se retirava. Lá estava em área portuária, próximo ao belo Chafariz do grande artesão Mestre Valentim, sentindo o piso de terra batida, dividindo espaço entre animais, escravos, transeuntes e os pequenos barcos que atracavam (As grandes embarcações se mantinham mais distantes do litoral). E assim como a vida na Colônia recomeçava, se sentia agraciado pelo ar puro da Liberdade.

Precisava buscar respostas, mas antes, ainda olhou para trás, avistou a Cadeia Pública e lastimou o destino daquele cavalheiro que não teria a sua "sorte". 


Delphos CariocaWhere stories live. Discover now