CAPÍTULO 9 - QUEIMANDO LENTAMENTE

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Me esgueirei entre as sombras, e os segui silenciosamente. Eles subiram toda a avenida principal. Eu já estava perto quando comecei a ouvir risadas. Risadas de crianças.

Eles também ouviram e pararam.

Me escondi rapidamente.

- Vocês ouviram isso? – perguntou um deles. Todos estavam vestidos de morte, notei.

- É Halloween, mas nós é que assustamos aqui. Vamos logo. – respondeu o cara que carregava Lissa.

Eles continuaram.

Mais risadas, cada vez mais altas. Muitas. Vi uma pequena multidão de criancinhas de branco em volta deles. Todas rindo e correndo.

- O que está acontecendo?! – um deles gritou.

Contei mentalmente 13 crianças, todas elas angelicais. Elas iluminavam a noite. E eu escondido, tremendo de medo.

Percebi então, que os homens estavam paralisados de medo. Cheguei mais perto e pude perceber por que: elas não tinham íris nem pupila, apenas olhos com um profundo vazio. Foi aí que muito sangue começou escorrer da boca de um dos homens.

O cara que carregava Lissa deixou-a cair no chão e saiu correndo como os outros. Foi então que um caminhão surgiu no cruzamento atropelando dois dos caras. Os outros três continuaram correndo, mas de alguma forma, sabia que eles também não acordariam para viver o dia seguinte.

Quando voltei meu olhar para as crianças, elas não estavam mais lá. Corri até Lissa e a peguei do asfalto frio e duro. Corri com ela de volta ao salão.

Parte do grupo de pessoas que estavam procurando-a estava do lado de fora, e quando me viram com ela nos braços, correram até mim. Malu estava desesperada e chorando, o que fez borrar toda a sua maquiagem.

- O q-que aconteceu? – ela perguntou desesperada. 

- Encontrei ela desmaiada no chão, a alguns metros. – senti um cheiro de fumaça e tossi.

- Melhor levá-la para o hospital. – Disse Malu. – essa maldita festa não pode ficar pior.

Foi então que começou uma correria. O cheiro de fumaça se intensificou e as pessoas começaram a sair correndo de dentro do salão. Nós corremos dali quase sendo atropelados pelas pessoas.

- O que está acontecendo?! – Gritou um garoto vestido de Lady Gaga.

- Fogo! – alguém berrou em resposta.

Corremos até um lugar seguro, eu com Lissa desacordada em meu colo, ela parecia delirar em meus braços. Seu cabelo estava grudado da testa cheia de suor.

- Esperem! – gritou Malu – John e Milla ainda estão lá dentro!

~Lissa Gracelyn

Eu estava presa. Presa em uma série de pesadelos torturantes.

Senti como se estivesse me afogando. Não conseguia respirar e a sensação de estar sendo espetada por facas voltou para me atormentar. Tentei com todas as minhas forças me mexer, mas nada acontecia. Então ao longe vi as criancinhas. Elas tinham asas enormes e fiquei aliviada por um momento. Uma delas, uma garotinha loira com olhos inteiramente brancos e vazios, se aproximou de mim e disse:

- Você vai morrer em breve. – soltou uns risinhos e continuou – Mas não será essa noite.

- Vocês vão me matar? – perguntei tranquilamente. Uma paz que eu não conseguia entender, me atingia levemente.

- Nós te protegeremos da morte até que esteja pronta para partir.

- Suas asas são tão... – não consegui encontrar palavras.

- Você não morrerá esta noite – ela cortou minhas palavras. Os outros anjos seguiam um caminho em direção a um portal – mas outros morrerão.

O contraste mudou e de repente eu estava em uma sala pequena e cinza. Mas eu não estava sozinha, John estava lá e Milla também.

Eles estavam se distanciando de mim, com medo transbordando em seus olhos. Percebi então a cadeira onde eu estava amarrada, estava pegando fogo. Em questão de segundos, eu também comecei a queimar. O mais agoniante, era que eu não conseguia gritar. Ficava tudo preso em minha garganta. Meu corpo queimava lentamente, mas eu continuava acordada. Foi então que tudo começou a queimar, inclusive John e Milla. Eu não pude sequer fechar os olhos. Vê-los queimando era pior do que qualquer dor física que eu estava sentindo. Eles ao contrário de mim podiam gritar e o estavam fazendo. A agonia e o desespero caíram sobre mim como uma grande pedra que me deixou incapaz de focar em minha própria respiração.

Acordei gritando e chorando desesperadamente.

Eu estava em um quarto de hospital. Minha tia estava dormindo em uma poltrona ao lado da minha cama. Eu dividia o quarto com mais três camas, mais três pessoas desacordadas. Estava de madrugada, percebi. Acalmei-me e voltei a me deitar. Tentei me lembrar do quê aconteceu, mas nada fazia sentido.

Meu peito de encheu de agonia ao lembrar de John e Milla. Chamei baixinho por minha tia.

- Lissa, meu amor. Como se sente?

- Tia, me diz, por favor. O que aconteceu?

Ela respirou fundo. 

- Ah, querida. Aconteceu um incêndio na festa onde você estava na semana passada.

- Estou desacordada esse tempo todo? - perguntei.

- Sim. - ela secou algumas lágrimas - Nenhum médico conseguiu descobrir o porquê de você não acordar. Seu amigo, William, disse que você bebeu muito, e que poderiam ter colocado alguma droga na sua bebida. Mas o médico fez os exames e não encontrou indícios de nada. Você parecia estar em uma espécie de sono profundo.

- Meus amigos... Onde eles estão? 

- Lissa... Sinto muito. - ela disse chorando - John estava dentro do salão quando o incêndio começou, e só conseguiu sair quando os bombeiros chegaram. 

- John morreu? - perguntei chocada. Meu mundo simplesmente caiu. 

- Não - ela respondeu rapidamente - Mas sofreu muitas queimaduras. Suas pernas, Lissa, se você visse. Ele vai levar um longo tempo para de recuperar. A garota... - ela se esforçou para lembrar o nome - Milla, não teve tanta sorte, morreu queimada lá dentro. John a viu arder no fogo, e está completamente mudo, não fala com ninguém.

- Meu Deus. - foi só o que consegui dizer.

- O resto de seus amigos estão bem, só com danos psicológicos. Aquele menino, William, veio aqui todos os dias, mas não o deixaram entrar. Malu também veio com ele. -desceram mais e mais lágrimas - Muitas pessoas que estavam na festa morreram, Lissa. Ou se feriram gravemente. Saiu notícia na TV e tudo. 

Fiquei calada processando tudo aquilo. Depois disse:

- Onde está minha mãe? 

- Em casa descansando. Disse que passaria a noite com você, meu amor. 

- Quando vou pra casa? - disse chorando. 

- Eu não sei, Liss. 

- John está aqui? 

- Sim. Só pessoas da família podem vê-lo. Sinto muito. 

- Eu deveria ter morrido. - murmurei.

- Descanse, Lissa. Por favor. - ela se virou na poltrona e adormeceu. 

Depois de pensar e repensar sobre tudo, os primeiros raios de sol atravessavam a grande janela do quarto. Adormeci com uma angústia crescente. 




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