CAPÍTULO 4 - Sobre fortalecer a amizade

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Uma agonia profunda cobriu todo o meu corpo. A sensação era nada menos sufocante. Eu tentava respirar mas tudo o que sentia era como se tivesse pedras sobre o meu peito, ou agulhas dentro de mim. Eu tentava gritar mas nenhum som saía, tentava me mexer mas não conseguia sair do lugar. Olhei para o meu braço largado ao redor do meu corpo e tentei move-lo, mas ele continuava estático. Eu não sentia absolutamente nada, mas eu estava acordada, tinha consciência de tudo à minha volta. Senti uma mão tocando minha perna, dedos subindo pelo meu corpo. Garras que me arranhavam de leve. Ouvi um riso em meio a toda aquela escuridão, e em seguida havia uma coisa em cima de mim, com o rosto bem próximo do meu. Eu não podia vê-lo, pois o quarto estava muito escuro. Senti algo pressionando meu peito, uma presença física e onipresente. Senti suas garras no meu pescoço e senti sua respiração pesada no meu rosto. Ele ia apertando cada vez mais meu pescoço, e sussurrando coisas que eu não conseguia entender. É uma paralisia do sono. É só um sonho. Eu me forcei a pensar. Vai acabar logo. Senti uma língua molhada no meu rosto e então uma voz rouca  e aterrorizante disse: ''Você está bem acordada, Liss''. 

Foi então que o grito que estava preso na minha garganta saiu, e eu me levantei correndo e com lágrimas nos olhos. Acendi a luz do quarto e do corredor. Me joguei no chão e tentei fazer minha respiração voltar ao normal. Mas tudo que eu conseguia era chorar desesperadamente. Eu estava quase gritando, e não podia controlar. Meu corpo inteiro tremia, e minha perna estava ardendo. Foi aí que notei o rastro de sangue que estavam lá. A marca das garras. Fiquei completamente paralisada e só conseguia pensar repetidamente: Isso é real, isso é real, isso é real. Abracei minhas pernas, fechei meus olhos com força e gritei por ajuda. 

Os abri quando a porta do quarto da minha mãe se abriu violentamente. 

- O que aconteceu, menina?! - ela gritou

- U-Um... P-Pesadelo, mãe... - comecei.

- Está gritando assim por causa de um pesadelo? Quantos anos acha que tem, Lissa?! - ela berrou, enquanto as lágrimas aumentavam - Achei que a droga dessa casa estava pegando fogo ou estávamos sendo assaltados... Volte pra cama agora!

- Não! Celine, por favor...

- Anda, Lissa! Se me acordar assim outra vez vai voltar pra cama com verdadeiros motivos pra chorar, ENTENDEU? 

- Ahhhhh, eu te odeio! - Me arrependi mesmo antes de terminar a frase.

Ela me fuzilou com o olhar e me deu uma tapa na cara. Agarrou meus cabelos e me jogou pra dentro do meu quarto. Eu tinha força para revidar, mas não o fiz. Deixei que ela continuasse a gritar:

- Se eu acordar e não te ver dormindo você já sabe! Onde já se viu, 14 anos com medo de pesadelos! Você deveria ter medo é de mim...Melhor você segurar essa língua. Garota fraca e imbecil, não serve pra nada mesmo. - ela saiu resmungando. 

Fiquei um tempo sentada no chão, até me acalmar. Voltei pra cama e tente dormir novamente. Consegui só muito tempo depois. 

Não contei sobre aquilo pra ninguém, e me proibi de pensar a respeito. O melhor a fazer sobre todo aquele terror era esquecer. E era justo o que eu não poderia fazer. 

Mais uma briga com Celine, e mais uma vez me deixou mal. Me fez odiar cada vez mais minha casa. Me fez lembrar de todas as noites em que eu e meu pai tínhamos que ir para a ala psiquiátrica com ela. O hospital fora minha segunda casa por muito tempo. E pra piorar, era minha mãe quem tinha crises e começava a chorar e se tremer por completo. Ela ficou internada por alguns anos, logo depois que eu nasci. Meu pai me contou que achava que não teria mais jeito, mas ela acabou saindo de lá. E há quase um ano, meu pai foi assassinado em nossa própria casa. 

Comecei a imaginar a cena, Celine o esfaqueando, os gritos, tudo. Quando a policia chegou, minha mãe também tinha sido esfaqueada, mas estava num estado bem melhor que ele. Ele já estava morto antes de chegar ao hospital. Ela disse que foi um assalto que deu errado, e a polícia acreditou. Não havia provas de que foi ela, mas eu sabia. Nunca disse nada disso a ninguém. 

...

Dois dias depois, o cenário já era bem diferente. Era terça-feira a tarde e eu e John estávamos vendo o pôr-do-sol na sacada do prédio dele. Estávamos sentados no chão, ele tocando violão enquanto eu cantava Mundo de Ilusões do 3030. Nós passamos a tarde ali, fumando narguile e tomando smirnoff Ice. Ficamos conversando sobre sonhos esquisitos e casais  perfeitos. 

John tinha um sorriso brincalhão nos lábios. Vestia uma camisa xadrez  e uma calça skinny preta. Estava descalço e com seu cabelo cacheado todo bagunçado. Fiz questão de bagunçar um pouco mais enquanto ele tocava. 

- Já sei, já sei! - eu falei com empolgação - vamos tocar Hold On Till May? 

- Do Pierce The Veil? Mas faz muito tempo que eu não toco ela...

- Vai John! - fiz cara de cachorro sem dono. E ele uma de tédio. ''Ok, vai'' ele disse. 

Ele começou a tocar e respirei fundo tentando me lembrar da letra. 

Me perdi na letra da música. Realmente a cantei com a alma. John parece ter percebido, porque me olhava de um jeito diferente. 

Quando acabou ele disse:

- Caralho. Você realmente ama essa música, né?

Sorri.

- Sim. - pausa - Ela me lembra um pouco você, sabe. 

John franziu o cenho. 

- Eu? Por quê? 

- Sei lá. A gente gravou aquele cover logo quando se conheceu. E depois eu cheguei na sua casa e ela tava tocando... Me lembra você, ué.

Ele sorriu, mas não disse nada. 

- Lissa - ele disse depois de um tempo - eu tava pensando. Nós nunca conversamos sobre... ''a gente''.

- Como assim, John? - falei sem entender. 

- Q-Quer dizer, todo mundo fica falando que a gente seria um casal perfeito e aquelas besteiras todas... 

- Entendi. Isso está atrapalhando você? Sabe, com outras garotas?

- Não, na verdade até ajuda. 

- Que vadias! - eu disse rindo. 

- Pois é! - ele também riu - Mas  - ele chegou mais perto - a gente poderia dar aquela fortalecida na amizade.

Não resisti, comecei a rir. 

- Ai, ai John. Vou pensar no seu caso.

- Vai pensar nada não. - disse chegando cada vez mais perto, até nossos lábios estarem se tocando. Então nossos lábios de encontraram. E encontraram de novo e de novo. Segurei em seu pescoço enquanto sentia suas mãos na minha cintura. Beijo com gosto de smirnoff, pensei. Ele me mordeu e eu dei um soco de leve nele. Começamos a rir de novo. 

- É realmente verdade - John começou - o problema dos erros é que eles sempre beijam bem. 


ANJOS MARCADOSWhere stories live. Discover now