004 - Ajustes Finais

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Pedro Pascal

O figurino do Joel coçava.
Camisa de flanela grossa, jaqueta pesada, bota rígida. Eu já estava começando a sentir pena do personagem só de pensar nas semanas de gravação que viriam pela frente. A figurinista ajustava a gola com alfinetes e murmurava alguma coisa sobre as costuras enquanto eu encarava meu reflexo. A jaqueta de couro estava apertada no ombro.

— Tá, e se eu simplesmente não levantar o braço durante toda a série? — brinquei, olhando meu reflexo no espelho. — Joel pode viver com os braços colados ao corpo.

— Pedro, para de drama — respondeu a figurinista, com um alfinete preso entre os lábios. — Você é o Joel. O Joel não reclama do figurino.

— O Joel também não tem que usar isso por horas sob luz quente — rebati, tirando a jaqueta e passando a mão no cabelo. — Mas tudo bem, tudo em nome da arte.

Ela riu, fazendo anotações rápidas no caderno de tecido. Enquanto isso, eu olhei ao redor. A sala de figurino estava uma bagunça controlada: botas usadas, camisas rasgadas artificialmente, mochilas cheias de adereços... Era um caos encantador. E, de certo modo, significava que estávamos quase lá. Faltava pouco para embarcarmos pro Canadá.

— Terminei aqui? — perguntei.

— Pode ir. Mas volta amanhã cedo pra última prova.

Assenti, tirando o colete e voltando à minha roupa normal. Enquanto caminhava pelos corredores do estúdio, tive a súbita vontade de ver a Clara. Ela sempre sumia nas horas de mais movimento, como se tivesse um radar pra evitar a confusão. Devia estar em alguma salinha, revisando roteiro ou mandando arquivos pra impressão.

Virei a primeira curva e perguntei pra uma assistente:

— Você viu a Clara?

— Sala 2, acho. Ela tava brigando com a impressora faz uns vinte minutos.

Sorri. Claro que estava.

Bati na porta entreaberta e empurrei devagar.

— Lutando pela sobrevivência? — brinquei, me encostando no batente.

Clara estava abaixada, puxando a bandeja da impressora com cara de guerra. Ela usava uma camiseta larga e o cabelo preso num coque improvisado com uma caneta enfiada no meio.

— Essa impressora me odeia — resmungou, sem nem levantar o olhar. — Ela mastigou o roteiro inteiro. De novo.

— Quer que eu tente um diálogo diplomático com ela?

Ela riu, finalmente me encarando.

— Se você souber falar impressorês, fique à vontade.

— Falo fluentemente. Aprendi em 2003 quando imprimi meu primeiro currículo. Posso?

Ela assentiu, se afastando.

Me ajoelhei e puxei a bandeja com cuidado, vasculhando por papel preso. Clara se sentou na cadeira giratória, me observando.

— Você sempre aparece quando eu tô prestes a ter um colapso nervoso — comentou.

— Eu tenho um radar pra crises. É meu superpoder.

— Superpoder ótimo. Inútil, mas ótimo.

Consegui soltar o papel amassado e fechei tudo de volta.

— Pronto. Quer testar?

Ela apertou o botão e, dessa vez, a impressora começou a cuspir as folhas com um barulho suave.

— Uau. Você venceu a máquina.

✅ | Scripted Hearts • Pedro PascalWhere stories live. Discover now