MILES GREMS
Saí do ginásio e o ar fresco da noite roçava na minha pele. A minha cabeça parecia mais leve, o meu corpo mais solto. Não era só por causa do treino. O ginásio dava-me ritmo, uma estrutura para organizar o caos nos meus pensamentos. Mas hoje, enquanto caminhava em direção ao bar, a minha mente não estava nos pesos ou nas repetições. Estava na música que me esperava.
O bar estava sossegado quando cheguei, como sempre a esta hora da noite. Não era nada de especial, mas gostava deste lugar. Sentia-me confortável ali, como se fosse familiar.
Fui até ao balcão, acenei rapidamente aos meus colegas de trabalho e peguei na minha guitarra que estava guardada na dispensa. Liguei-a ao amplificador, sentindo o zumbido estático nos meus dedos - uma promessa de som.
A primeira nota ecoou suavemente pelo espaço, e, por um momento, o mundo desapareceu. Só existiam eu, as cordas e o amplificador. Os meus dedos moviam-se por instinto, encontrando a melodia que andava presa na minha cabeça desde mais cedo. Tocar não era só um passatempo. Era.. algo mais. Algo que não conseguia explicar por palavras. Eu também adorava editar vídeos. Isso permitia-me contar histórias. Mas a música? Era como falar uma língua que só eu entendia.
Não sabia há quanto tempo estava a tocar quando senti que alguém me observava. Não era estranho que notassem, mas esta sensação parecia diferente. Ao virar-me ligeiramente, vi-a. Estava ali, no limite do bar, com o cabelo vermelho-escuro a refletir a luz fraca. Parecia... imóvel. Como se não estivesse apenas a ouvir a música, mas a senti-la.
Hesitei, deixando a última nota pairar no ar antes de limpar a garganta.
— Olá — disse, mais baixo do que queria. — Não te tinha visto.
Ela deu um passo em frente e, por um instante, pareceu que o ar mudava.
— Tu... a tocar — disse, calmamente, com uma voz suave mas decidida. — É maravilhoso.
Não sabia o que dizer. Elogios assim eram... estranhos para mim. Não estava habituado a ser notado, não dessa forma.
— Obrigado — respondi, os dedos a roçarem nas cordas novamente. — Só toco para mim... ajuda-me a pensar.
Houve uma pausa, não desconfortável, mas cheia de algo por dizer.
— Sim... percebo. Também gosto de música. E sinto o mesmo sobre escrever. — Aquilo apanhou-me de surpresa, mas despertou a minha atenção. — Não escrevo poesia. Escrevo... sobre mim. Sobre como vejo a vida.
Havia algo real nas palavras dela, algo honesto. Lembrei-me de porque é que eu tocava.
— Percebo isso — disse, acenando com a cabeça. — A música é o mesmo para mim. Não é para impressionar ninguém, é para... dizer o que não consigo dizer.
Ela sorriu e, por um segundo, senti que nos entendíamos, mesmo tendo acabado de nos conhecer. Parecia nervosa com algo, mas era... encantador.
O QUÊ. Não era encantador. Não sei o que estou a dizer. Acabei de a conhecer. É só uma rapariga normal. Como as outras. Sei disso e também sei que provavelmente só quer fo...
— Podias... ensinar-me? — Isso apanhou-me de surpresa. Ela quer que eu... a ensine? A voz dela era firme, mas havia uma leve incerteza, como se não soubesse o que eu iria responder.
Pisquei os olhos. — Queres aprender guitarra? — Perguntei, um pequeno sorriso a formar-se antes que pudesse evitá-lo.
— Sim, acho que sim. Quero tentar. Talvez ajude... a escrever ou só a entender mais sobre música.
Os nossos olhares cruzaram-se, e vi que ela estava a pensar nisso. Havia algo no modo como olhava... reservada, mas curiosa. Como se estivesse a deixar-se acreditar, só por um momento, que isto poderia valer a pena.
— Gostava disso — eu disse finalmente, com uma voz tranquila, mas firme.
E, assim, algo mudou. Não sabia o que era aquilo ou onde iria levar-nos, mas, pela primeira vez em muito tempo, senti que não estava apenas a tocar para mim.
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LUNNA REYES
Mudar-me de Portugal para a Califórnia deveria ser o início de tudo para mim. Um novo começo, um lugar onde os meus sonhos – escrever e cantar – poderiam finalmente ter uma oportunidade.
Estou aqui há alguns meses, e, embora não tenha sido exatamente uma onda de oportunidades, tenho tentado manter-me aberta ao que este lugar pode oferecer. Na verdade, consegui entrar no curso de Linguísticas da UCLA.
É sábado, e acordei com uma inquietação. A Myth, minha gata, estava enroscada no meu caderno, como que a lembrar-me de que não tenho escrito muito ultimamente. Acho que estava à procura de algo que me tirasse deste... nevoeiro. Então, decidi sair, sem destino certo, só precisava de mudar de cenário.
Acabei num pequeno bar, não muito longe do meu apartamento. Não estava cheio, apenas algumas pessoas espalhadas pelo espaço. Assim que entrei, ouvi alguém a tocar guitarra elétrica. Daquele tipo de música que te faz parar no lugar, não por ser alta ou chamativa, mas por ser genuína.
O rapaz que tocava estava sentado num canto, completamente focado na guitarra. Não estava a exibir-se; estava simplesmente... a tocar. Parecia sincero, como se colocasse pedaços de si próprio em cada nota. Fiquei ali parada mais tempo do que planeava, só a ouvir.
Quando ele finalmente levantou os olhos e me viu, quase me virei e saí. Mas, em vez disso, disse-lhe a verdade: que a música dele era maravilhosa.
Ele pareceu surpreendido com o elogio, como se não estivesse habituado a ouvi-lo. Conversámos um pouco – o suficiente para eu perceber que a música era o modo dele de exprimir o que as palavras não conseguiam.
Contei-lhe sobre a minha escrita, como é o mesmo para mim. Gostava muito de aprender a tocar guitarra ou piano. Talvez ele pudesse ensinar-me?
— Podias... ensinar-me? — Nem sei de onde veio isso. Nunca toquei uma única nota na vida.
Não sabia como ele iria reagir. Ele pareceu um pouco nervoso.
Mas disse que sim.
Não sei o que vai sair daqui, mas, pela primeira vez desde que cheguei, sinto que talvez esteja exatamente onde devia estar.
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Strings of Connection
Romance(Eu ainda estou a editar, então haverão diversas mudanças) Lunna mudou-se de Portugal para a Califórnia em busca dos seus sonhos de se tornar escritora e explorar a sua paixão pelo canto. Contudo, o peso da solidão de uma nova vida faz-se sentir, se...
