Capítulo 4 - Sangue Derramado

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   O dia estava claro, nenhuma nuvem no céu. O vento chicoteava suas roupas e seus cabelos a todo instante, fazendo as vestes dançarem sobre os corpos dos três amigos.

   Henrique jazia ao lado do homem caído, seus óculos em uma das mãos, os olhos umedecidos pelas lágrimas, que marcavam seu rosto empoeirado, como duas cicatrizes de faca. O olhar do garoto, embaçado pela miopia, fitava o homem caído. Sua mente, uma das mais brilhantes dentre seus amigos, vidrada apenas em um pensamento, Onde vamos parar?.

   Fabrício estava do outro lado do homem caído. Em uma das mãos um lenço negro, na outra uma arma, a mesma arma que ele havia adquirido com um dos homens do Careca. Os olhos de velho fitando o homem, as olheiras pareciam escurecer cada vez mais, dia após dia. Respirava calmamente, porém de forma pesada e longa, como se uma tonelada estivesse sobre seus ombros ou seu peitoral.

   Eles estavam no Campinho, logo abaixo do posto de saúde abandonado. O local era aberto, amplo, desprovido de qualquer testemunha e cercado por uma alta mata. As gramas que cercavam o local, de tão abandonadas, atingiam dois metros com facilidade. Apenas um caminho de grama pisada separava a rua, lá do outro lado, do Campinho onde eles estavam. Em teoria não havia lugar melhor para fazer aquilo.

   - Eles disseram que chegariam quando? – perguntou Henrique, ainda olhando o homem, os olhos molhados, com medo.

   Fabrício não respondeu, continuava olhando o homem caído, pensando em todas as coisas que ele já havia feito para Fabrício.

   Ficaram quietos por mais alguns instantes.

   - Estamos movendo montanhas. – falou por fim – Eu, você e ele. – apontou para o homem caído – Podemos mudar nossas vidas, mas erros não podem mais acontecer, pessoas que não somos nós, pessoas inocentes, podem se machucar no processo, e eu não quero isso para mim.

   - Desculpe Fabris. Sem ofensa. – disse Henrique, o Consiglieri – Mas você está enganado, não existe algarismo que minimize as chances de pessoas inocentes não se machucarem no processo. Devemos aprender a lidar com esse tipo de situação.

   Fabrício pensou um momento, entendeu que Henrique tinha razão, e então respondeu a pergunta feita momentos atrás.

   - Eles já devem estar chegando, liguei para eles e dei as indicações do local.

   Quando a última palavra deixou sua boca eles apareceram.

   Os soldados do Careca.

   Entraram no campinho pelo caminho de grama pisada, um atrás do outro, vinham brincando e rindo, ladrando como cães e insultando uns aos outros. Alguns estavam armados, mas a maioria vinha de mãos vazias. Eram em torno de quinze homens.

   Eles não mostram respeito, não demonstram amizade. Pensava Fabris, sem mover o olhar.

   Os homens formaram um cinturão ao redor deles, e ficaram quietos.

   O vento soprava cada vez mais forte, a poeira do Campinho se dissipava no ar e irritava os olhos de todos ali. A corrente de ar atingia Fabrício e ele sentia como se estivesse sendo limpo de algo, como se estivesse sujo ou manchado.

   Um dos homens, um negro alto e forte, aproximou-se dos três amigos. Olhou o corpo no chão.

   Estava coberto com galhos e folhas, muita terra estava sobre seu rosto manchado de vermelho, seus cabelos também estavam completamente sujos de terra, ação do vento forte que soprava. As mãos, o peito, as pernas, a cabeça, as folhas e os galhos eram vermelhos. O homem obviamente havia sido espancado, pois suas roupas estavam rasgadas e seus olhos estavam inchados. Inchados de forma absurda.

Família Cassarano (por Marco Febrini) (Sem revisão)Where stories live. Discover now