Capítulo 2: Pós-Cadeia

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Cinco anos. Exatamente o tempo em que fiquei presa por um crime que eu não cometi. As minhas algemas quase cortam minha mão quando o policial me puxou para frente. O rádio velho tocando uma música lenta que eu desconheço; quanto tempo longe da música. O policial me olha e eu o olho pensativa. Depois abaixo a cabeça e sigo com ele. Ele tranca as grades e seguimos pelo corredor do horror. Minha vó. Ela deve acreditar em mim. Pois se achasse um absurdo, não teria pagado minha fiança. Eu jamais mataria minha mãe, eu sempre fui tão apegada a ela, era a pessoa que eu mais amava no mundo. Minha vó só pode ter achado um absurdo eu ter sido presa por homicídio. Eu jamais teria matado a filha dela. Apenas estou pagando o preço por ser sincera, raridade nesse mundo. Deve ser por isso. A que ponto a humanidade foi parar. Fizeram me sentar em uma cadeira esperar enquanto ajeitam tudo. Eu continuo com a cabeça baixa, só respirando. Só queria ver minha vó e soltar essas algemas apertadas. Tudo indica que esse processo vai demorar. Meu cabelo está horrível, embolado, a tinta clara saiu tudo, sinto falta de shampoos descentes, aliás, sinto falta de tudo, das roupas, da comida comestível, da Internet e inclusive de coisas que nunca mais vão voltar: meus pais e meu namorado.

Senti abrirem minha algema, levantei o rosto lentamente e olhei para a cara do policial desgraçado que me tratava como se eu fosse uma vadia.

-Pode ir. O que está esperando? – Pergunta ele.

Toda amortecida, fui andando devagar como se tivesse chumbo amarrado à minhas pernas e braços. O policial abriu a porta para mim e minha vó entrou parecendo muito mais jovem do que eu. Esperta, ela me abraçou, mas que com a dor parecia que iria esmagar meus ossos. Chorou. Chorei também. Percebendo nossa demora, o policial mandou nos apressar que ele tinha mais pessoas para atender. Fomos.

Ao caminhar pelos densos corredores da delegacia sentia meus pesos ficando leve. A brisa parecia acariciar meus braços. Olhei para vovó. Ela sorriu e disse:

-Você cresceu.

Eu sorri tão lindamente que minha respiração limpou meus pulmões. Mais pareciam que meus órgãos internos estavam sujos de sangue seco e precisariam de água fresca. Ao abrir a porta, o sol segou tanto minha visão que foi preciso da ajuda de minha vó para dar meus primeiros passos. Deveria ter sentido vergonha se estivesse sã. Mas como não estava completamente sã, senti minha vó como meu único apoio. O sol forte era como uma dádiva para o fim do meu cativeiro. Sentia-me nascida de novo. Caminhava pela calçada como se eu fosse de Marte e estivesse visitando a Terra pela primeira vez. Chegando ao carro, vovó ainda teve que arrumar o cinto para mim porque eu tremia de tanta emoção. Que saudades de entrar em um carro normal. Embora, em minha primeira tentativa de dirigir tenha me tirado parte da minha juventude. Vovó sabia dirigir para me contrariar. Ela abriu a porta do motorista e sentou ao meu lado. Fiquei impressionada com a vivacidade dela, desfrutava de uma força que eu não possuía, ou melhor, talvez não tenha desenvolvido ainda. Olhei para o rosto dela com as feições da minha mãe e enxerguei a jovem que eu deveria ser; seus olhos azuis logo encontraram meu rosto desfalecido e triste; sua boca se alargou em um belo sorriso. E nesse momento senti como se eu carregasse o espírito de uma idosa como ela.

-Minha netinha, fique feliz. Quero ver você feliz agora. Esqueça tudo e comece de novo. Sinta-se renascida. – Disse ela pra mim.

Eu queria não acreditar que chegou o momento em que eu precisei mais do que nunca de minha avó. Em vez de ela estar precisando de mim, forte, jovem, com boa formação e que soubesse dirigir. Não! É tudo ao contrario. Definitivamente, estou um lixo. Observei meu reflexo no espelho e me assustei. Não me reconheci. Ela tinha razão! Eu cresci. Aquelas feições adolescentes sumiram dando lugar a uma nova mulher. Mal via a hora de tomar um banho para ver minhas novas feições sem essa sujeira. Quero me maquiar também. Quem sabe eu possa nascer de novo, ser uma nova pessoa como vovó disse. Mas esquecer do passado, esse vai ser difícil.

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⏰ Última atualização: Jul 08, 2015 ⏰

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