Capítulo 2: Pós-Cadeia

Start from the beginning
                                    

A cidade inteira mudou, não reconheço mais nenhum pedaço. A velocidade do carro até me dá dor de cabeça. Coisas modernas tornaram minha pequena cidade, uma cidade desenvolvida e moderna. É isso que dá ficar cinco anos no inferno longe de tudo. A casa da minha vó não ficava tão longe. Ao chegarmos, me perguntava se a casa era realmente dela, era tão moderna e grande para alguém solitária como ela. Então depois dela me ensinar a desabotoar o cinto, desci do carro com muita imprecisão. Meus pés desiquilibravam ao tocar a grama. Bem-vinda à Terra de novo. Os tratamentos de uma prisão aqui, tanto para os homens quanto para as mulheres é tão cruel que mesmo depois que você sai dela ainda acha que é um rato, como me sinto agora. Vovó me alcançou, pegou-me pelo braço e fomos até a porta, onde ela abriu sem dificuldade alguma. O encantamento da casa me tomou como se fosse um parque de diversão parado. Ela me deixou na mesa de jantar onde puxei uma cadeira com receio de fazer alguma cagada e sentei. Ela me trouxe bolos, tortas e biscoitos apetitosos que só as avós sabem a receita de deixa-los deliciosos.

-Fique aqui enquanto eu faço um chá para nós duas. – Disse ela e se dirigiu para a cozinha.

Queria recusar, mas estava com sede e precisava me reidratar como nunca. Comi como um cachorro. Cada pedaço era um convite para pegar outro. Acabei com um bolo, deixei dois pedaços de uma torta para minha vó, comi todos os biscoitinhos me culpando por não ter deixado um pouco para ela, e de outros eu comi alguns pedaços. Vovó chegou com o chá pelando e colocou sob a mesa. Queimei-me com a minha pressa e a vó logo retrucou:

-Espere. Não vê que está quente? Deixa que eu coloque aqui para você e logo ele esfria.

Ela sentou do outro lado da mesa, do modo que fiquemos cara a cara. Assim fiquei com remorso de olhar para ela. Mas não queria chateá-la. Já havia causado demais para minha idade. Ela era a única coisa que eu tinha; minha salvação e salvadora. Nisso, tentei por mais que doesse puxar conversa:

-Vó, por que me tirou da cadeia? Por que gastou seu dinheiro comigo? Sendo que eu posso ser uma assassina? Vó, eu não sei se você acredita, mas eu sou inocente! Juro por Deus! Eu não teria coragem de fazer uma coisa horrível dessas, eu... – Foi nesse momento que eu comecei a chorar. – Foi a floresta, aquela maldita floresta! Eu vou fazer de tudo para desmatá-la!

Vovó alcançou meu queixo e ergueu para a direção dos olhos dela e começou a falar:

-Minha netinha, não se culpe! Eu acredito em você, só que a ficha caiu tarde demais, perdoe-me.

-Então você soube da floresta? Ela quis me matar também! – Falei meio alto, pausando e soluçando.

-Eu não sei do que você está falando, mas sei que deve ter alguma coerência. Se não foi você, alguém dessa tal floresta foi. Não fique chocada. Logo vamos descobrir, tome seu chá, está mais frio agora.

-Não vó, a senhora não vai entender... Nem eu quis acreditar, mas é verdade. – E aí coloquei a xícara na boca bebendo o chá doce que curava minhas lágrimas salgadas.

-É melhor você tomar um banho. Vai melhorar. Vai ver. Começará tudo novamente. Esqueça tudo. – Vovó disse com aquela paciência que só os avós têm com os netos.

E foi o que eu fiz. Após ter terminado de comer, vovó me mostrou o banheiro e colocou umas coisas lá para eu usar. Assim que abri o chuveiro, a água que caiu sob minha pele quase me queimou de tão desacostumada que eu estava. Logo me ensaboei toda. A água escorria amarela para o ralo. Naquela cadeia, higiene era luxo demais. Parecia que havia nascido arame farpado no meu cabelo durante a prisão. Lavei-me até enjoar como se fosse trocar de pele, nascer de novo e esquecer meu passado repugnante. Depois que terminei me enxuguei e passei os hidratantes que minha vó deixou no banheiro e mais uns cremes para nutrir o cabelo. Escutei minha vó me chamar. Então pensei que eu precisava de roupas e por isso ela havia me chamado. Enrolei-me na toalha e saí do banheiro perguntando por ela. Assim que segui sua voz, cheguei a um quarto todo bagunçado, necessitando de uma faxina. Percebi que lá estavam muitas coisas que eram da minha casa. Vovó mostrou-me uma caixa média de papelão. Quando a abri vi que estava certa, roupas! Era por isso que ela estava me chamando. As minhas antigas roupas. Revirei e encontrei minha jaqueta de couro toda intacta, a minha camisa xadrez vermelha com que eu estava quando me pegaram dirigindo sem carteira e muitas outras.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jul 08, 2015 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

MalditaWhere stories live. Discover now