Lembranças

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- Crowley, seus olhos... eu já os vi antes - era uma imagem confusa que o fez enrugar a testa - mas não era você, era uma... serpente(?) - pensou que aquilo não fazia sentido.

- SOU EU! - toda a esperança voltou ao corpo do demônio - A SERPENTE SOU EU. Bem, era. Não importa, era eu!! No jardim.

- Sim, eu me lembro da serpente no jardim, eu vi o momento em que você convenceu Eva. E depois nós os observamos...

- Saindo do jardim, exatamente!! - interrompeu, cheio de empolgação. Tirou a polaroid de antes do bolso e mostrou ao anjo - Lembra desse dia? Eu tive problemas com uma entrega e você se ofereceu pra fazer um show de mágica e apaziguar a situação com a dona.

- Eu lembro desse show, fiquei sem milagres, foi tão assustador - disse dando uma risadinha - agora me lembro que foi você quem atirou. Foi por pouco.

- Foi por muito pouco - o demônio estava aliviado - o inferno quase veio atrás de mim nesse dia também.

- Você não entrou numa igreja nessa noite? Eu lembro de ser pego em uma emboscada.

- Isso, foi isso mesmo. Se não fosse por mim você já era, anjo - disse em tom brincalhão.

- Não acredito que entrou em uma igreja por mim. - o anjo sentiu um leve rubor no rosto - Foi você também quem me livrou de perder a cabeça durante a revolução francesa, não foi?

- Sim, porque você estava com vontade de comer crepes - revirou os olhos - onde você tava com a cabeça, anjo? Não sei o que faria sem mim.

Os dois sorriram e aproveitaram aquele momento de alívio. Percebendo que era isso o que faltava para despertar a memória do parceiro, Crowley começou a relembrar de diversos momentos de sua história com Aziraphale, que acompanhava bem as histórias, chegando a se levantar para procurar alguns itens na sua caixa e mostrar ao demônio.

A foto polaroid do show de mágica, um tíquete para Hamlet, uma ilustração de Jó com sua família cercada de anjos, uma garrafinha vazia de láudano, uma moeda do ano 537 no reinado do rei Arthur, um pergaminho romano... Itens sem aparente conexão, mas com um elemento em comum: a memória de Crowley. Foi assim que passaram as duas horas seguintes, lembrando.

- Eu ainda não acredito que você guardou aquela água benta por todos esses anos - disse Aziraphale fingindo indignação - todo aquele tempo me pedindo, incansavelmente. Você quase assaltou uma igreja por causa disso - demonstrava achar certa graça da situação - e todo esse tempo você só guardou em casa.

- Bem, o que eu deveria ter feito antes? - respondeu em defensiva - Era só uma garantia, entende?

- Eu lembro de pensar que talvez você fosse... - a graça abriu espaço para um sentimento sombrio, a memória do que achou que seu amigo pudesse fazer - Bem, não importa agora. Fico feliz que foi útil, no fim das contas.

O ruivo percebeu a mudança no tom do outro e se deu conta pela primeira vez, desde que começou a lembrar, do tempo que havia passado. Já se aproximavam da madrugada e pensou no inferno de novo. Com um breve suspiro cansado, começou:

- Bem, isso é um alívio. Que você se lembra, quero dizer. Talvez a gente possa começar a pensar no que fazer a seguir.

- Na verdade, se você não se importa, eu queria um tempinho sozinho. Minha mente segue confusa com esse turbilhão de memórias. Além disso, eu queria espaço para ler mais dos meus diários e me atualizar no que aconteceu. - Sabia que estava pedindo demais do demônio, mas era verdade que não sentia sua cabeça no lugar. - Será que poderia me esperar lá embaixo? Tem vinho se quiser.

A primeira reação do demônio foi de apressar Aziraphale novamente, mas sabia que não adiantaria de nada.

- Está bem, acho que o vinho está me chamando de qualquer forma.

- Muito obrigado - o anjo ficou tocado, sabia o que a espera significava para Crowley - eles não poderão te fazer mal enquanto estiver aqui, está bem?

- Eu sei - respondeu cansado com um sorriso no canto da boca.

Lost Memorie | Ineffable HusbandsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora