10

4 1 0
                                    

A dupla deu a volta, mas para a surpresa deles, o homem da máscara azul revelou a mão por um milésimo de segundo, e algo parecido com garras ficou visível.

-Você viu o que eu vi? - Célio indagou, e Adriano concordou assentindo. - Esse cara não pode ser normal.

-Pior.

-Pior o quê?

-Ele pode ser não-humano. Um monstro.

-Está lendo muito sobre mitologia no Império Romano.

-Falo sério, Célio.

Estranhamente, o homem deu outra meia-volta, mas dessa vez, parou no cômodo anterior, e subiu um lance de escadas para o segundo andar do Palácio Ducal, e o dueto continuou seguindo de longe.

Lá, no meio de vários convidados, a figura se esgueirou até uma sacada, onde uma moça adolescente de vestido cinzento com detalhes alvos e máscara branca com círculos cinzas, o esperava, e conversaram baixinho.

Os dois então interromperam o falatório.

-Com licença, senhora - disse Célio.

-Precisamos conversar a sós com este senhor - complementou Adriano.

-O que desejam? - o moço estava com as mãos dentro dos bolsos, mas eles estavam volumosos demais para ter somente as mãos.

-Você roubou algo que pertence ao nosso mestre - falou logo Célio.

-Aham... - o desconforto era visível no olhar do ladrão. - Receio não saber do que estão falando.

Adriano se aproximou e de seu cinto, pegou uma faca e apontou para o peito do furtador:

-Não finja desentendimento. Eu posso...

Tirando as mãos do bolso, o mascarado revelou não mãos, mas patas de leão, que agarraram e feriram o pulso de Adriano, que soltou a lâmina.

-Eu sabia que era um monstro! - exclamou Célio.

A mulher então ficou curvada, e seu vestido rasgou nas costas, e duas imponentes asas ascenderam, a erguendo no céu.

-Um anjo-caído? - Célio estava admirando.

-Claro que não, burro - a moça alada declarou - Sou uma harpia, e este ser é uma manticore.

-Toda harpia fala muito?! - gritou o homem, jogando Adriano pela mureta, mas este puxou o monstro juntos, e os dois caíram em cima de uma árvore.

Um tinido baixo foi ouvido no chão, e Célio percebeu que se tratava do anel. Num pulo, saltou. Já embaixo, olhou em volta e identificou um brilho que deduziu ser do anel, correu para pegá-lo. Contudo, a harpia o derrubou com suas patas de galinha no lugar das pernas. Ela aterrissou e pegou calmamente o objeto metálico, que quase afundou no rio de Veneza.

-Finalmente peguei mais um artefato pra minha coleção - a harpia ficou contente.

-Me devolve isso! - Célio gritou, empurrando a moça na água e puxando de suas mãos o anel.

Se jogou para o lado quando o manticore tentou agarrá-lo, e correu desesperado para fugir dos monstros. Adriano, que estava preso pelos pés na árvore e de cabeça para baixo, praguejava furioso.

-Me ajude aqui, seu anão! - gritou para seu companheiro.

-Não fale assim de mim! - retrucou o de menor estatura, puxando com força Adriano, que quase morreu com a queda que levou. - Vamos, não tá na hora de dormir!

Correndo, os dois chegaram à escadaria do castelo do doge, mas o manticore correu velozmente e mordeu o pé de Adriano, que gritou. Célio se virou, e enraivecido pela atitude do monstro, gritou:

-Morra!

De repente, a pedra do anel de Joabe saltou e começou a aumentar de tamanho, tomando a forma de uma escultura humana atlética.

-Seu pedido é uma ordem - falou o homem-pedra se jogando no ladrão, e frio como o gelo, dividiu o corpo dele ao meio, manchando os degraus de sangue azul.

-Ordem dada é ordem cumprida.

O homenzarrão começou a diminuir e voltou ao formato de pedra, e pela primeira vez, o dueto percebeu que não era uma pedra, mas sim um dente canino do tamanho de um dedo.

-O que é isso, afinal de contas? - indagou amedrontado Adriano.

Joabe, que havia visto quando a escultura-viva derrotou o monstro, respondeu:

-É um spartus, guerreiros que surgem dos dentes de um dragão.

-Como conseguiu um dente de dragão? - Célio estava confuso.

-Isso não é meu. Foi herança do meu avô.

-O primeiro conde Graccio - Adriano afirmou.

-Exato. Jair Graccio era seu nome. Ele ganhou o condado da alta nobreza da Baviera e fez 3 viagens com destino ao Oriente: na primeira ele rodou a Grécia, a segunda em Constantinopla e a terceira em Alexandria, onde morreu. Mas ele adquiriu não apenas aliados, mas relíquias e artefatos. Esses anéis também foram conseguidos numa dessas aventuras.

A harpia então voou de dentro da água e gritou lá do céu:

-Vocês pagarão por isso!

Os três se entreolharam, preparados para o confronto.

Para a surpresa deles, no momento que a mulher-ave desceu rasgando o céu em alta velocidade, Tales apareceu próximo ao Palácio, e estava com duas tochas.

-Vai pôr fogo nesse pombo gigante? - indagou Joabe.

-Não - respondeu Tales - Vou invocar à Vesta!

-Não tente nada contra mim, Tales! - esbravejou a ave para o garoto.

Quando faltavam alguns metros para o impacto da harpia, as tochas pegaram fogo de maneira aleatória e o jovem mágico ajoelhou-se, clamando:

-Oh, Vesta, Espírito das Chamas, te peço: me proteja!

Faltando pouco menos de um metro, as brasas tomaram forma de mulher, que abraçou a harpia, e em seguida, explodiu. Um corpo carbonizado caiu nos degraus do castelo de Francesco.

A mulher de fogo ficou de pé por alguns segundos, antes de desaparecer e sobrar apenas pequenas fagulhas de sua aparição.

-O que foi isso? - Célio estava surpreso.

Tales então contou:

-Durante anos, meus antepassados guardaram livros e objetos de diferentes períodos históricos. Alguns são meramente históricos e simbólicos, mas também há aqueles que têm algum poder, como essas tochas que podem criar fogo e foram usadas pelos meus ancestrais para invocar Vesta, o Espírito das Chamas.

-É por esse motivo que eu te quero comigo - afirmou Joabe.

-Então fique feliz, pois eu aceito.

O nobre sorriu, satisfeito: - Então arrume suas malas, porque partimos amanhã.

-Amanhã? Meu Deus! Demorei tanto tempo assim para decidir?

O sábio foi correndo pelas ruas da cidade, apressado. 

As Águias Gêmeas (Fantasia-Histórica)Where stories live. Discover now