Cap. I - O estranho na tempestade

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"O verdadeiro homem almeja duas coisas: perigo e jogo. Por isso deseja a mulher: o jogo mais perigoso."

MAYA MEYER POV'

           Era tarde da noite e eu me encontrava deitada no meu velho sofá de couro, assistindo aos jornais locais que repetiam os noticiários de mais cedo. Com as luzes de casa apagadas, eu me via agarrada ao meu cobertor, vendo as reportagens passarem enquanto alguns arrepios percorriam o meu corpo.

           Seria estranho não sentir alguma coisa, quando uma tragédia dessas acontece na cidade onde eu moro. No noticiário falava sobre o desaparecimento de alguns turistas. E, por mais ruim que fosse, não eram notícias surpreendentes. A questão é que alguém sempre desaparece na visita a essas cachoeiras.

           São quatro cachoeiras que desabam em um só lago, e o que mais surpreende é a pureza das suas águas. Como se aquele lugar nunca houvesse sido tocado pelas mãos humanas. Mas, como eu sei disso se as pessoas desaparecem quando tentam chegar lá? Bom, eu tenho um quadro no meu quarto que prova que estou descrevendo o lugar perfeitamente.

           É uma foto um pouco antiga, está desbotada mas é uma imagem muito clara. Eu ainda era recém-nascida, e estava no colo de um homem alto, de cabelos ruivos e olhos esverdeados. Meu pai.

           Infelizmente não cheguei a conhecê-lo mas, minha mãe dizia que ele era um bom homem. Bom, podemos dizer que eu herdei quase toda sua aparência, exceto pelo cabelo, que por algum motivo é albino.

           Uma leve batida na porta me tirou dos meus devaneios. E por um breve momento pensei que pudesse ser o vento mas ao escutar outra vez aquela mesma batida meu corpo entrou em alerta.

           Talvez pudesse ser o gato da vizinha outra vez. Ele tem o péssimo costume de ficar fora de casa em tempestades como essa, e sempre arranha a minha porta em busca de abrigo.

           Caminhei em passos lentos até a porta, e a destranquei com certo receio. Girei a maçaneta com cuidado, de maneira tão demorada que pareceu uma eternidade até que a porta finalmente se abriu.

           Ao abri-la, olhei para o chão à procura do peludo Lennon mas, tudo o que pude ver foi um par de botas marrons surradas, que sujavam meu carpete de boas-vindas com lama.

           Meus olhos se recusavam a olhar pra cima.

— Por favor — ele sussurrou. — Preciso de ajuda. — Uma voz embargada, rouca e um pouco grossa me fez olhar para cima. Por curiosidade, talvez.

           Quando comecei a erguer minha cabeça, para encarar o vulto ensopado e trêmulo que estava na minha frente, notei que o seu moletom estava coberto de sangue, na região do seu abdômen, e pude entender o desespero em sua voz. Uma eternidade se passou até que finalmente me vi olhando para cima demais para encarar o estranho na tempestade.

           Ele era alto, muito alto... Esse homem tinha quase a altura da minha porta. E, quando enfim meus olhos encontraram os seus, seus olhos castanhos, frios e cansados, me observavam suplicantes.

           Algo nele me atraiu o suficiente para deixá-lo entrar sem nem mesmo perguntar o seu nome. Talvez eu apenas quisesse ajudá-lo. Como uma médica poderia dizer não a alguém ferido?

Caos - As duas faces do diaboWhere stories live. Discover now