Episódio 04 - Agda: Possessão I: Inconsequência

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Esperei por alguns ciclos até que meus pais confiassem que eu estaria em meus aposentos. Quando chegou o momento, deixei a casa em completo silêncio e me escondi em um beco próximo à entrada da floresta na saída sul da vila. Observei a troca de guardas a procura de um ponto vulnerável na vigia e aquilo funcionou pelo tempo que eu precisei que funcionasse. Eu não gostava de enganar meus pais daquela forma, mas eu também não queria negar a mim mesma o contato com o ciclo lunar que era tão natural quanto necessário.

O receio em ir de encontro ao desconhecido durou pouco, mais precisamente até eu alcançar o interior deslumbrante da floresta. Estávamos no auge da estação seca e uma brisa gelada soprava entre as árvores. Aquela parte da floresta não era tão densa e a luz azulada da lua penetrava ali sem grandes dificuldades, projetando sombras de todos os tamanhos e formas que me encantaram imediatamente. Cogumelos da Lua que refletiam o luar recobriam boa parte do chão e alguns dos troncos das árvores, eles pareciam luzes mágicas que variavam entre tons de azul e violeta. A visibilidade era incrivelmente boa ali. Avistei o que parecia ser um par de cogumelos se movimentando em uma árvore próxima e, ao chegar mais perto, me deparei com uma pequena criatura comum na fauna local, um roedor de pelos escuros e olhos tão grandes e brilhantes quanto os próprios cogumelos. Ele me encarou de volta antes de escalar a árvore e desaparecer entre os galhos. Só então percebi como as árvores eram altas, elas pareciam ser tão antigas quanto o tempo em si e capazes de tocar as estrelas. Comecei a imaginar a vista que suas copas poderiam proporcionar e, graças às minhas habilidades físicas, escalei sem dificuldades rumo ao topo de uma delas para conferir minha teoria.

Me sentei no último galho que era grosso o suficiente para me oferecer um apoio seguro, eu não poderia correr o risco de me desequilibrar com as fortes rajadas de vento típicas daquela altitude. Eu já não conseguia enxergar muitos detalhes do solo da floresta, mas os cogumelos estavam lá me agraciando com suas cores exuberantes. Quebrei alguns galhos para ter uma visão plena da paisagem e o mundo que se abriu para mim fez valer todos aqueles riscos. Do chão da vila eu conseguia ter uma visão limitada das estrelas no céu, mas dali eu contemplei o rastro de uma constelação que seguia a noroeste até sumir atrás de uma cadeia de montanhas distantes que eu sequer sabia que existiam. A lua reinava imponente no céu banhando o seu ciclo com uma luz tênue.

A visão da região onde vivíamos era privilegiada do topo daquela árvore. Pertencíamos a um vilarejo situado no extremo sul de Acalla, o último antes da fronteira, ligado ao restante da nação por duas estradas que seguiam ao norte. Não havia sinal algum de civilização em nenhum outro local nos arredores, apesar de eu conseguir enxergar luzes vindas do que parecia ser uma grande cidade próxima às montanhas, mas que estava distante demais para eu ter certeza do que se tratava. Voltei minha atenção aos entornos e notei que tanto ao oeste quanto ao sul daquele ponto onde eu estava, as árvores se estendiam até onde meus olhos conseguiam alcançar. Ao Leste, a Floresta da Fronteira se erguia até o limite das terras de Acalla onde dava lugar a uma faixa escura no horizonte, sinalizando que o território neutro começava ali. Todo ser dotado de consciência já ouviu histórias sobre aquele lugar. O território composto por uma imensa extensão de terra árida era o ponto mais próximo entre as duas nações rivais, já que ligava Acalla à Nação Exilada, cujas fronteiras começavam após aquela vastidão de solo infértil. Terra de ninguém, amaldiçoada por batalhas sangrentas contadas de geração em geração. Eu ouvi que a floresta se estendia por aquela região e além, porém todo o sangue derramado naquelas planícies fez com que a vida já não crescesse ali como crescia antes, como ainda crescia aqui. Naquele primeiro ciclo, observar as terras neutras mergulhadas em escuridão me permitiu ilustrar um cenário para as histórias que sempre ouvíamos daquele lugar, um cenário decadente e desesperador.

Nos períodos que se seguiram eu fiquei admirando a lua e as estrelas enquanto o vento gelado soprava os volumosos cabelos ondulados que herdei da minha mãe. Eu estava feliz comigo mesma por me permitir viver o ciclo lunar e absorver a energia que seus elementos emanavam, aquilo me trouxe identidade, me trouxe paz. Eu costumava voltar para casa quando a lua atingia um ponto específico no céu, geralmente quando ela se alinhava ao pico do primeiro monte do aglomerado de montanhas. Aquele era um bom plano: eu dispunha de tempo suficiente para deixar a floresta, me esgueirar para dentro do vilarejo e retornar para minha residência sem que ninguém notasse. Com o passar do tempo fiquei menos preocupada em ser pega. Eu havia entrado e saído da vila tantas vezes que a prática levou à maestria, o que me fez questionar a eficiência dos guardas que deveriam ser os olhos e ouvidos dos cidadãos que eles guardavam, inclusive dos meus pais.

AcallaWhere stories live. Discover now