• PRÓLOGO •

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‘meu nome é Nina’


O ruído metálico estridente similar a lâminas de trilhos freando fazia a cabeça da garota doer fortemente a medida que sua consciência voltava a funcionar. Ainda sem mover um músculo, a mesma se deixou perceber as coisas ao seu redor. O chão era duro e frio, o odor idêntico a ferrugem e onde quer que estivesse chacoalhava como se um terremoto atingisse o lugar. As iris azuladas da garota lentamente se abriram, analisando as paredes escuras e com tintura desgastada. Uma grade de ferro a rodeava como se aquele lugar fosse uma espécie gaiola gigante, várias caixas estavam espalhadas pelos cantos rodeando seu corpo encolhido no centro do recinto.

Com um sobressalto, a de cabelos escuros se pôs em pé girando no mesmo lugar em busca de entender que lugar era aquele e por que estava ali. O completo vazio de sua mente fez com que a frustração tomasse conta de seu corpo no mesmo momento. Não se lembrava de nada, não sabia de onde viera, nem pra onde estava indo. Não se lembrava de seus pais, de sua casa, de seus amigos ou se tinha irmãos. Tudo em sua memória era apenas um borrão escuro e sem sentido. Exceto um nome, o seu nome.

Antes que pudesse lidar com o que estava acontecendo naquele momento, um alarme alto e dolorido de se escutar soou em algum ponto acima da gaiola fazendo com que a garota então notasse o fato de que estava subindo para algum lugar. A mesma rapidamente dirigiu seu olhar para cima em busca de identificar seu destino final e tudo o que pode visualizar foi o teto daquele fosso se aproximando rapidamente da coisa que continuava a empurrá-la para cima sem diminuir a velocidade.

A garota de fios escuros não gritou, não esperneou e nem mesmo pediu socorro. No fundo de sua mente talvez ele quisesse agir daquela maneira e implorar por misericórdia, mas a maior parte de si sabia que nada daquilo servia para algo. Ela não estava com medo de morrer ali, mas com certeza não morreria sem pelo menos tentar sobreviver. Não se lembrava de sua personalidade antes daquele buraco escuro, mas sentia que desistir ou se entregar facilmente não era algo de seu feitio.

Quando seus olhos notaram o quão próxima a gaiola estava do fim do percurso, a garota se escondeu em um canto menos iluminado do grande cubo e lá se encolheu agarrando um dos facões que as caixas carregavam. Uma contagem mental era feita pela mesma até o momento em que um solavanco bruto fez com que a grande gaiola parasse de se mover. Alguns torturantes minutos se passaram em silêncio até que o som metálico de portas se abrindo se fez presente no mesmo momento em que os raios solares adentraram na gaiola.

O estalo causado pelo salto dentro da caixa fez com que a garota se encolhesse ainda mais no lugar onde estava. Um garoto pulou para dentro sem nem mesmo notar sua silenciosa presença no mesmo lugar. O desconhecido tinha pele escura e cabelos tão curtos que facilmente seria confundido com um careca, usava roupas desleixadas e sujas e vasculhava as caixas murmurando consigo mesmo. A de cabelos escuros lentamente se moveu para o lado, tentando ao máximo ser sorrateira para que sua presença continuasse da mesma forma que estava, invisível. Entretanto para seu azar suas costas bateram contra uma das gaiolas menores, fazendo com que o maldito porco preso lá dentro gritasse a plenos pulmões anunciando sua presença ali.

— Quem é você? — o garoto questionou de olhos arregalados.

A garota se levantou de forma rápida apontando o facão em direção ao outro que recuou alguns passos temeroso.

— Você é uma garota.

Um sorriso ladino praticamente invisível apareceu nos lábios rachados da garota quando a afirmação ridícula feita pelo desconhecido a sua frente. Decidida a fazer daquele encontro o mais breve possível a de cabelos escuros caminhou com passos calculados até o lugar por onde o rapaz a pouco tivera descido e sem dizer uma palavra se pendurou na borda do fosso usando toda sua força para ganhar impulso até cair do lado de fora daquela gaiola.

Assim que se pôs novamente em pé, a garota correu por alguns metros até enfim parar e olhar ao seu redor. Uma grama verde se entendia por todos os lados, assim como uma densa floresta, uma pequena plantação e um abrigo mal feito mais ao fundo. Algumas galinhas corriam soltas e uma vaca branca com manchas pretas mugia de forma preguiçosa enquanto mascava um punhado de capim.

— Ei! — escutou o mesmo garoto se aproximar correndo enquanto gritava.

— Que lugar é esse? — perguntou enquanto voltava a apontar a lâmina para o outro.

— Você se lembra de algo?

A garota resmungou de forma audível com uma feição nada boa tomando conta de seu rosto. Era ela quem deveria estar fazendo as perguntas ali, afinal quem tinha acabado de acordar sem nenhuma memória além de seu próprio nome e ido parar em uma espécie de fazenda bizarra com um cara desconhecido e com perguntas idiotas era ela.

— Que lugar é esse e por que eu tô aqui!? — repetiu em um tom mais sério se aproximando do rapaz negro. — Me fala!

— Bem vinda a Clareira. — murmurou após alguns segundos. — Não sei o nome real, portanto batizei assim. E sobre o por que está aqui... Eu tenho buscado a resposta durante um maldito mês inteiro.

— O que isso significa?

— Que eu também não sei o por que estou aqui, fedelha. — retrucou mal humorado.

Deixando os olhos vagarem pelos arredores com mais precisão, a garota de fios escuros pode então notar a coisa mais esquisita de tudo aquilo que tivera visto até o momento. Muros rodeavam toda tal clareira, muros de mais de dez metros feitos de concreto e com eras grossas de aparência velha enroscadas em todas as extremidades da construção. Não havia uma brecha, ou uma janela e nem mesmo uma escada que indicava a saída daquele lugar,  exceto uma abertura na parte leste de dava para o lado de dentro dos muros.

Sem pensar duas vezes, a garota disparou em direção a grande abertura nas pedras escutando os berros do garoto que corria em seu encalço. Ela não pretendia parar, sentia como se estivesse sendo atraída para dentro daquela grande brecha, algo no fundo de seu ser gritava para que ela corresse até lá e não parasse, como se lá no meio daqueles muros, fosse onde ela deveria estar naquele momento.

Uma mão grande envolveu o pulso da garota de fios escuros a obrigando a parar sua rápida caminhada e voltar à atual realidade. O garoto de pele negra a encarava sério como se estivesse prestes a lhe dar uma bronca, mas antes que ele o fizesse, a recém chegada se desvencilhou de seu toque voltando a ameaçá-lo com o facão.

— Me toque outra vez e vai perder suas malditas mãos. — alertou.

— Escute, novata. — começou tentando manter a calma. — Não pode entrar lá.

— E você é quem vai me impedir? — questionou sarcástica. — Tente a sorte, fedelho.

O garoto suspirou ainda sem tirar o os olhos dela ou ao menos recuar, temendo que se desse espaço demais ela correria em direção as aberturas de concreto, disparando com velocidade para sua provavel morte.

— Espere mais um minuto e você descobrira o por que eu recomendo que não vá.

Franzindo as sobrancelhas em confusão a garota de fios escuros se manteve atenta aos movimentos do outro segurando firmemente a arma em suas mãos.

— Eu sou o Alby. — se pronunciou apontando para si mesmo. — Não me lembro de mais nada para dizer a você, garota.

Antes que a mesma pudesse questionar os motivos da perca de memória o som esganiçado e torturante de pedra se movendo ecoou por todos os lados causando um sobressalto que não pode ser evitado vindo da garota. As iris azuladas dela vagaram em direção a abertura que agora se moviam de forma lenta e barulhenta uma em direção a outra como se fosse uma espécie de porta de correr. O movimento permaneceu por mais alguns minutos até que um “clinck” alto se fez presente e tudo se silenciou, restando apenas os pássaros agitados e o som da respiração ofegante da garota.

— Ainda queria estar lá dentro, fedelha? — perguntou com um humor ácido.

— Não me chame de fedelha. — advertiu ainda encarando os muros agora fechados.

— Quando se lembrar de seu nome, talvez eu...

— Nina.

— O que? — perguntou confuso.

Se virando lentamente até ficar de frente para Alby, a garota o encarou com uma expressão indecifrável estampada em seu rosto pálido.

— Nina. Meu nome é Nina.

END GAME - minhoWhere stories live. Discover now