O Brócolis e o Jogador

7 - Saindo da zona de conforto

Eu tenho saudade do meu pai. Do seu cabelo cacheado que eu adorava enfurnar meus dedos e senti-los deslizar e enrolar. Do cheiro de perfume e óleo de motor de carro que ele voltara depois de um dia de trabalho na oficina. Da sua camisa xadrez azul e sua calça jeans surrada que ele adorava.

Quando ele estava de folga aos domingos, tirava esse único dia para bajular um pouco a sua moto. Ele adorava aquela bomba ambulante. Lembro que sempre caía na gargalhada quando ele tentava ligar aquela pipoqueira várias vezes e se irritava soltando alguns palavrões quando esta não funcionava. Lembro que antes de morarmos neste bairro esquisito, morávamos em um morro que ficava em frente a lagoa e tinha o pôr do sol mais deslumbrante que já vi na vida. Exatamente nesses domingos, quando ele terminava de bajular um pouco sua moto, nós sentavamos no muro da vizinha e ficávamos ali observando aquela enorme bola de fogo.

Era tudo tão simples com ele. Havia um entrosamento, e era muito mais fluída as nossas conversas. Ele sabia como seguir o meu ritmo e eu o dele. Quando ele morreu, tive que me adaptar ao ritmo da minha mãe. Eu tento, juro que tento, mas ainda tenho muitas dificuldades. Apesar de tudo que passamos juntos, ainda há uma enorme cratera entre nós depois da morte de papai. Talvez por nossas personalidades serem muito opostas uma da outra, tudo se torne ainda mais complicado.

Depois que eu soube o que estava acontecendo no trabalho dela, eu concordei em conversarmos, era a minha primeira opção depois de tudo. Mas ela evitou com todo fervor e todas as vezes que eu voltava ao assunto ela fazia uma expressão frustrada como se não houvesse nada para falar e tampouco escutar. No começo isso me entristecia mas depois de alguns dias começou a me irritar.

Fiquei sabendo através da amiga dela que ela não planejava processar a empresa, muito pelo contrário, ela continuaria trabalhando naquele lugar. Eu entendo seus motivos, mas meu coração não se conteve. Fiquei com raiva, não dela, mas de mim. A incapacidade de não poder ajudá-la, e o fato de ser um fracasso como um homem que é o apoio dentro da família. Meu pai, meu querido pai, aquele que eu mais sinto falta no mundo com certeza ficaria desapontado com a minha incompetência.

Enquanto me martirizava em frente aos livros de estudo, senti meu celular vibrar em cima da mesa. Era João. Desde o final de semana ele tem me ligado implorando para que eu vá em um desses blocos de carnaval com ele.

"Lucas, eu e sua irmã vamos passar o dia com a vovó. Você vai?"

Era minha mãe. Seu rosto estava um pouco abatido. Segurei meu celular, virando a tela para baixo e a olhei. "Hoje não. Podem ir. Vou estudar mais um pouco."

Ela me olhou um pouco relutante mas acabou saindo. Suspirei passando as mãos pelo rosto e fechei os livros. Peguei meu celular e li a mensagem de João. Nela estava escrito que ele já estava vindo aqui em casa. Tão teimoso.

Me estiquei na cadeira bufando. Pude escutar a barulheira de sons que estava estrondando do lado de fora. Desde o final de semana as pessoas começara a festejar. Olhei para os livros mais uma vez e tive certeza de que mesmo que eu quisesse, não conseguiria estudar. O barulho, meus pensamentos e a solidão dentro de casa começou a me sufocar.

Peguei alguns trocados que tinha dentro da mochila e saí para comprar algum salgadinho. Por sorte a minha algumas vendinhas ficaram abertas, claramente não iam perder a oportunidade de lucrar esses dias.

Caminhei até a vendinha com muita dificuldade. Muitas pessoas estavam nas ruas se enchendo de álcool e melados de farinha de trigo. Ouvi uma vizinha conversando que o nosso bairro tivera preparado um bloco também. Os maceioenses certamente sabem como se divertir.

"Deu cinco reais, filho."

Escutei o senhor Aurélio dizer. Ele era um velhinho grisalho e meio carrancudo, mas eu gostava muito dele. Sua voz me chamou atenção. Eu já estava entretido com as pessoas dançando em frente a carros de som automotivo de diferentes tamanhos e variadas cornetas. "Valeu, vô."