1 - 360 dias do último ano no ensino médio.

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Há coisas bonitas que aconteceram comigo ao longo da minha vida. Muitas na verdade. Lembro do meu pai segurando minhas mãos – lembro da sensação do calo de seus dedos roçando nos meus – lembro de estar com minha mãe e minha irmãzinha comendo uma fatia de bolo pela primeira vez depois que esta conseguiu um novo emprego, e lembro-me também quando minha querida avó, mesmo falando aos sussurros depois de sua doença tê-la acometido querido Lucas, você é a imagem e semelhança de seu pai antes que ela se perdesse novamente para o vazio.

Foram lembranças que marcaram a minha existência e me levaram até aqui.

Mas... Gostaria de poder dizer que, tenho lembranças calorosas no ensino médio. Tantas pessoas falam com sorrisos no rosto do quão incrível foi e que se pudesse voltaria tudo de novo. Mas comigo é razoavelmente diferente. Tudo que eu queria era terminar tudo o mais rápido possível.

No meu ensino fundamental, sofri bullying por ser extremamente pobre. Naquela época meu pai que mal conseguia sustentar nossa família veio por falecer. Minha mãe, minha querida mãe, estava grávida da Beatriz, minha irmãzinha querida. Nesse tempo, dias sombrios acometeu nossa família.

Passamos necessidades por vários meses e fomos amparados por nossos vizinhos. Minha avó estava do outro lado do país, em Mato Grosso e não podia nos ajudar – me recordo pouco desses dias – mas mamãe disse que seu irmão sequestrou minha avó depois de saber que ela estava doente. Afinal, meu querido tio, Geraldo, é um desgraçado. Minha mãe é sua única irmã, e ele pensou em sua cabeça oca que minha pobre mãe que sofria com a perda de meu pai e uma filha que estava por vir, iria pôr as mãos na herança de vovó.

Mas sem alardes, colocamos o infeliz atrás das grades e hoje estamos aqui

A perda do meu pai, o sequestro da minha avó doente e as dificuldades que minha mãe passara nessa época... Esses acontecimentos me fizeram ficar apegado ao seio familiar. Eu sempre preferi o aconchego da minha casa, com minha família – pessoas que eu conseguia confiar. Apesar disso, tentei levar uma vida normal de um adolescente que estava saindo do fundamental e indo de encontro ao médio.

No fundamental, apesar do bullying eu consegui fazer amigos. Ian e Gabriel. Desses dois melhores amigos, restou apenas duas lembranças.

O primeiro, Ian: começou a andar com uns caras maus encarados daqui e virou a face pra mim. O segundo, Gabriel: me trocou porque não tinha tempo pra mim, já que entrou em um relacionamento e seu precioso tempo era de sua bela dama.

Eu não o culpo, se eu tivesse alguém tão linda ao meu lado, eu... Haha... Não, eu não seria capaz disso. Eu desejo um dia parar de tentar fazer a culpa por tê-los perdidos cair sobre mim. Sei que não foi minha culpa. As pessoas são assim mesmo.

Quando entrei no ensino médio, as coisas não ficaram tão ruins quanto eu pensei que seriam. No primeiro ano, eu conheci João. Um garoto de cabelos cacheados e um sorriso engraçado. Nos demos muito bem porque ele era outro excluído, então foi algo como "amor a primeira vista, ou empatia a primeira vista". Isso parece ridículo, mas quando o outro passa pelo mesmo que você, é um vínculo inquebrável. E tem sido assim até agora. Além de todo o trauma que passamos, nos conectamos como pessoas que tinham algo em comum também. Nem tudo foi tão ruim assim. Não foi. Eu tinha João.

Passamos o primeiro ano ilesos. O segundo foi meio conturbado. A professora insistiu que fizéssemos a feira de conhecimento e a última coisa que me lembro sou eu, fantasiado de Lula, e João de Bolsonaro. Ela queria que explicassemos o conturbado ano da eleição e tudo que aconteceu entre esses dois figuras. Depois disso, viramos a chacota da escola. Segundo a professora, era tudo pela história e criatividade. Advinhem, no fim, a mulher não nos deu o ponto que merecíamos. Giselle, você irá para o inferno qualquer dia desses.

O Brócolis e o Jogador Where stories live. Discover now