O Cheiro Dela

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O dia se esvai rapidamente, deixando-me ali, solitário no pátio próximo aos dormitórios. O crepúsculo começa a tingir o céu de tons alaranjados, e decido que é hora de subir. No entanto, antes que eu possa dar mais que alguns passos, um som familiar me atinge os ouvidos: o som de soluços abafados.

Vindo da direção do dormitório feminino, os lamentos parecem ecoar pela noite. Curioso, decido investigar. Caminho silenciosamente até o local, buscando abrigo nas sombras para não ser visto. E então, a figura familiar de Karuizawa emerge do interior do edifício, claramente perturbada.

Permaneço onde estou, observando-a de longe, questionando-me sobre o que poderia tê-la levado a esse estado de angústia. No entanto, decido não me intrometer. É melhor deixá-la lidar com seus próprios demônios esta noite.

Retorno ao prédio dos dormitórios, subindo as escadas até meu quarto. Ao entrar, sinto o peso do dia sobre meus ombros, mas não posso deixar de pensar no que vi lá fora. Karuizawa, em sua vulnerabilidade, pareceu mais humana do que nunca.

Desfaço-me do casaco e da gravata, trocando-os por roupas mais confortáveis. Uma camisa casual e shorts são suficientes para o restante da noite. Dirijo-me à cozinha, onde preparo um modesto jantar para mim, deixando-me levar pelo ritmo familiar dos movimentos.

Enquanto mexo na panela, minha mente divaga para os eventos do dia, especialmente as misteriosas instruções que dei a Karuizawa. Se ela não investigar Horikita Manabu, talvez eu deva fazê-lo. Afinal, não posso ignorar o que está acontecendo ao meu redor.

O tempo passa, e logo percebo que está quase na hora do lixo ser recolhido. Descendo até o térreo, encontro Hirata, cuja presença é sempre reconfortante.

"Ayanokoji", ele me chama.

"Tudo bem?", devolvo, mantendo uma expressão neutra como sempre.

"Sim, e você?", ele responde, sua voz tranquila.

"Também", respondo brevemente, antes de nos separarmos para nossas respectivas tarefas.

Com a sacola de lixo em mãos, dirijo-me ao local designado, mas algo chama minha atenção. Uma figura está deitada próxima ao contêiner de lixo. Ao me aproximar, reconheço imediatamente Karuizawa, adormecida ali.

"O que..." sussuro.

Decido levá-la para o meu quarto, carregando-a cuidadosamente para evitar acordá-la. Subimos as escadas em silêncio, e eu a acomodo gentilmente em minha cama. Por um momento, observo seu rosto tranquilo, incapaz de ignorar a vulnerabilidade que ela exibiu esta noite.

Observo-a deitada ali, seus traços suavizados pela calma do sono. Uma sensação estranha se apodera de mim, ao mesmo tempo em que minha mente tenta racionalizar sua presença ali. O que ela estava fazendo nos arredores do dormitório nesta hora da noite?

Meus olhos percorrem seu corpo, sem intenção maliciosa, mas é inevitável não notar o quão delicada e frágil ela parece naquele momento. Seus cabelos espalhados pela cama, sua pele iluminada pela luz fraca que adentra o quarto. A tentação de tocar seu rosto, de sentir sua pele macia, é quase palpável.

No entanto, resisto ao impulso. Em vez disso, volto-me para a tarefa mais prática de cobri-la com um lençol. Ao puxar o tecido suavemente sobre seu corpo adormecido, percebo o quão próximo estou dela. Uma sensação estranha de proximidade se instala, misturada com um leve desconforto por invadir sua privacidade dessa maneira.

Eu me afasto rapidamente, recuando para o outro lado do quarto. Afinal, ela não deveria estar ali, e eu não deveria estar me preocupando com sua segurança e conforto. No entanto, uma parte de mim não pode deixar de sentir uma estranha afeição por ela, uma preocupação que vai além das minhas próprias instruções.

Sacudo a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Não há lugar para sentimentos pessoais em minha vida. Eu simplesmente fiz o que qualquer pessoa faria em uma situação semelhante. E agora, é hora de deixá-la descansar e seguir em frente com as minhas próprias preocupações.

Enquanto ela desperta, minha mente continua trabalhando a todo vapor, elaborando planos e cenários possíveis. Afinal, se algum responsável descobrisse que uma garota estava no dormitório dos rapazes às nove da noite, as consequências poderiam ser graves para ambos. Expulsão era uma possibilidade real, algo que eu não poderia permitir.

Pego meu celular e ligo para Horikita. Não é uma decisão fácil, mas é a única opção viável que tenho no momento. Depois, me viro para encarar Karuizawa. Ela parece estar acordando, movendo-se inquieta na cama. Viro minha cadeira na direção dela, observando-a calmamente.

Ela começa a se mexer mais, indicando que está despertando completamente. Cruzo os braços e os pés, mantendo minha expressão neutra. Seu rosto, agora alerta, mostra confusão e, talvez, um pouco de medo. Eu não podia culpá-la por isso.

"Onde eu estou?", ela sussurra, seus olhos buscando entender o ambiente ao seu redor. Continuei observando-a, sem dar resposta imediata.

Finalmente, parece que ela me nota, pois seus olhos se arregalam e sua expressão se transforma em uma mistura de surpresa e alarme. "Ayanokoji?", ela murmura, sua voz um pouco mais alta do que deveria ser.

"Menos barulho", eu digo, mantendo meu tom calmo. "Você me sequestrou?", ela pergunta, sua voz um pouco trêmula.

"Não tenho tais intenções", eu respondo, me levantando da cadeira. "Levante-se, venha."

"Espere, primeiro me explique", ela exige, sua voz soando um pouco mais firme agora.

"Então coma isso", eu digo, entregando-lhe um sanduíche que preparei antes. Em seguida, retorno à cama e me sento ao seu lado.

A batida na porta interrompe nossa conversa abruptamente. "Quem é?", Karuizawa pergunta, claramente nervosa.

"Horikita", eu respondo enquanto me levanto. Vou até a porta e a abro, revelando a figura séria de Horikita do outro lado.

"Você demorou", falo, minha voz carregada de desaprovação.

"Isso é um encontro? Porque fui convidada", Horikita responde com sua habitual franqueza.

"Alguém viu você?", pergunto diretamente.

"E você não vai me contar, ou posso ir embora?", ela retruca, impaciente.

"Me ajude a tirá-la daqui", peço a Horikita, ignorando sua provocação.

"Ei, isso é sério, normalmente sou eu quem te ajuda", ela resmunga, mas se levanta obedientemente.

"Levante", instruo Karuizawa, e ela obedece, ainda visivelmente confusa.

Nós saímos do quarto e seguimos até o elevador. Estamos no quinto andar. Atravessamos o corredor rapidamente, avançando em direção à saída. Estamos quase lá quando alguém nos aborda, segurando meu ombro.

"Estão saindo os três do dormitório?", ele pergunta, olhando-nos com suspeita.

"Sim, estamos", eu confirmo.

"Vocês não sabem que isso é proibido?", ele nos repreende.

"Não fizemos nada de errado", eu defendo.

Ele nos encara por mais um momento antes de tomar uma decisão. "Acho que vou com vocês. Karuizawa, veja o que você está me obrigando a fazer."

Horikita parece pronta para protestar, mas eu a interrompo. "Horikita, podem ir. Eu cuido disso agora."

Elas partem e eu fico para trás, lidando com as consequências da situação. Minutos se passam e finalmente me vejo deitado na cama. Estou pronto para dormir quando percebo um aroma suave e familiar. Pego o travesseiro, percebendo que está impregnado com o perfume de Karuizawa.


KiyoKei: Entre NósWhere stories live. Discover now