Capítulo 2

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A hospitalidade dos Lobos fora surpreendente para Tristán. O casebre que lhe ofereceram de abrigo era confortável, apesar de pequeno. Lhe forneceram uma muda de roupas mais folgadas, já que o jardineiro deveria ser muito maior que o escultor. Também, lhe deram duas refeições, uma pela manhã e outra à noite. Olhando pelas janelas do pequeno lugar, tudo o que Tristán via era floresta, alta e esparsa, exceto à face norte. Lá imperava a grande mansão da família Lobos. Um casarão, ao que Tristán pôde notar, desfrutado apenas por duas pessoas. Pois, além dos criados, o escultor não ouviu nenhuma menção à irmãos de Safira ou Christian, tampouco sobre a senhora Lobos.

A manhã aproximou-se tímida, depois de outra noite de fortes chuvas. O ar frio da manhã trouxe consigo uma tímida promessa de sol, que deu a manhã uma névoa pouco densa. Enquanto organizava seus pensamentos após acordar, Tristán ouviu latidos do lado de fora. Apressou-se em sair, sem conseguir processar muita coisa. Do lado de fora, Safira o aguardava, com sua escolta de quatro cães. Ela não estava com chapéu, tampouco portava sua besta. As roupas, apesar de ainda extravagantes, trocavam o vermelho chamativo por um tom turquesa.

- Meu pai pediu para eu te acompanhar, já que claramente você não vai comandar meus cães.

Tristán consentiu com um sinal afirmativo. Fazia bastante sentido, mas ao menos, sem os pelos arrepiados e os olhos fixos, os cachorros pareciam um tanto mais amigáveis.

A caminhada se iniciou silenciosa. O frio daquela manhã era ameno, e bastante tolerável agora que o escultor vestia roupas secas. Os únicos sons que se ouviam eram os das botas de Safira e Tristan na grama rasteira, bosque adentro, além do constante farejar dos cachorros da garota. Ao fundo, vez ou outra, uma ave gorjeava, numa vã tentativa de quebrar o marasmo dali.

- Como vocês se conheceram? - Perguntou repentinamente Safira.

Tristán voltou seus olhos para a garota pela primeira vez desde o início da caminhada. Ela não o encarava, parecendo mais interessada no que seus cães estavam fazendo, mesmo que isso se resumisse apenas a farejar.

- Er... na guilda. Ela é pintora, e eu escultor. Trocamos esboços algumas vezes e depois... não sei explicar. Foi tudo muito rápido.

- É muito bonito o que você está fazendo por ela. - Concluiu a moça. Tristán retribuiu com um sorriso sem graça, desviando o olhar para o chão.

As margens do rio Cristal agora, na calmaria do dia, dão ao rio muito mais credibilidade em seu nome. A superfície era quase um espelho gigante, à exceção do suave movimento que mantinha o rio em curso. Alguns trechos das margens estavam alargados, pois foram trechos de terra que cederam à investida impiedosa do rio nas noites chuvosas. Agora, tudo era dissimulado. Tudo seguia, como se nada de mais houvesse ocorrido naquelas margens.

Safira era quase tão atlética quanto seus quatro cães de caça. Apesar das roupas extravagantes, ela pulava, desviava e apoiava-se em lugares com maestria. Todas habilidades que Tristán não tinha, e que teriam sido úteis na noite do escorregão. Eles poderiam ter saído para caçar naquela noite, sonhou o escultor. Entretanto, a busca foi em vão. Subiram o rio até os limites de Castimón, ao norte. A nascente do rio ainda levaria muito tempo, e não cobririam toda a extensão. Apesar de tudo, a busca fora em vão.

Tristán precisava sair da negação e aceitar em definitivo o que o destino lhe reservou na noite da tão horrível tempestade.

O caminho de volta parecera mais rápido, talvez porque Tristán e Safira pareciam menos estranhos um para o outro. Mesmo tendo conversado pouco, ainda assim conviveram por quase um dia inteiro. Eles desceram o rio, em direção ao sul, até chegar em uma ponte de pedra que ligava Castimón a Almarca. O sol se pondo dava à cena um tom alaranjado bem intenso. Safira parou no início da ponte e estendeu a mão, indicando o caminho.

- O caminho para Almarca. Aqui, nos separamos, estranho.

O escultor ficou parado na ponte, encarando a estrada que o levaria para casa. O levaria para o local onde seria assombrado pelo resto de sua vida, ou pior. Ele respirou fundo, tento reunir uma coragem que certamente não tinha.

Tristán queria uma chance de recomeçar.

- Será que eu poderia voltar com você, e falar com você e seu pai?



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