Capítulo 3

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A família Lobos parecia bastante disposta a compensar Tristán pelo infortúnio súbito. Na conversa que tira com Christian e Safira, ficou acordado que o escultor compraria o terreno referente à casa do jardineiro. Em troca, o homem cedeu o próprio terreno em Almarca - embora os Lobo tenham concordado que não seria de muita utilidade - e completaria o valor com o dinheiro das vendas de sua arte. Desta forma Tristán poderia recomeçar a vida em Castimón, mesmo sabendo que deveria pagar pontualmente os valores acordados com os Lobos.

Se eu conseguir vender algumas esculturas na guilda, mesmo com o alto valor da comissão do lugar, consigo pagar o que devo.

Mas as horas viraram dias, que se converteram em semanas, oito, para ser mais exato. E não é que Tristán não vendera suas esculturas. Ele sequer produziu algo para vender. Seus dias se alternavam entre a bebida e uma espécie de ócio perpétuo. Não havia inspiração. Não sabia o que esculpir, não via nada na pedra que pudesse ser tirada de lá, como um salvador tira uma pessoa em perigo da areia movediça, nada. Era impossível dizer que Christian não tentou ajudar o rapaz; trouxe-lhe pincéis e quadros, na esperança de que pudesse pintar algo, mas Tristán apenas deixara no porão; Em outra oportunidade, Christian perguntou se ele não preferia tornar-se jardineiro, mas Tristán também negou, pois além da inaptidão, sabia que teria de trabalhar quase a vida toda para pagar o valor que devia.

Ele era um escultor, e esculpindo deveria pagar sua dívida. Era o mínimo de honra que lhe sobrara e Tristán fazia questão de mantê-la.

Porém, dois meses se passaram, levando a paciência de Christian com eles. O homem estava à porta do pequeno casebre, junto de seu valete,  Guillermo. Este segurava um pergaminho em mãos, enquanto anotava coisas às pressas.

- O senhor se arrepende de tê-lo acomodado? - Indagou Guillermo.

- Não. Fiz o que um homem honrado faria. Acho que esta casa me dá azar mesmo. Deveria tê-la demolido quando Julian fugiu. - Respondeu Christian, parecendo mais falar consigo mesmo do que respondendo seu valete.

- Qual medida o senhor quer que seja tomada para fazer justiça ao contrato?

- Quero que ele seja julgado por um Impositor. Ao rigor da lei. - Anunciou Christian

Guillermo estremeceu, mas tomou nota do desejo do patriarca da família Lobos.

Impositores são juízes que cuidam de casos de menor jurisprudência, quase como mediadores. Porém, para tornar seu trabalho mais ágil, eles também agem como executores. Há quem diga que são a personificação da lei, há quem diga que são carrascos inescrupulosos. Dizem que não podem mostrar o rosto jamais, devendo ser vistos apenas munidos de uma máscara, que também simboliza a "face da justiça".  Guillermo nunca ouvira falar de alguém que tenha pedido uma intervenção de um Impositor antes, apenas ouvira falar das pessoas que liam nos tabardos dos impositores seu lema:

Justicia rápida y resoluta.

Christian socou a porta da casa do jardineiro, que ao seu ver pertencia provisoriamente a Tristán. A manhã era tímida, e nem mesmo o ar frio escondia o suor na testa do homem. Até sentia pena do escultor, mas sabia que precisava manter-se fiel aos seus valores. A justiça transcende o homem.

Tristán abriu uma fresta, grunhindo contra os primeiros raios de luz que tocavam sua face. Seus olhos eram fundos e o semblante facilmente denunciava a bebedeira da noite anterior. Claro, juntamente com o terrível odor alcoólico que exalava. Não era um homem, pensou Christian. Apenas um fragmento que restou dele. Nem quando o achou, com frio e fome no bosque, Tristán parecia tão... patético.

- Posso... ajudá-lo, senhor? - disse o escultor, num tom mole, baixo, quase resmungando.

- Escute-me, jovem. Eu tentei ajudá-lo de todas as formas que pude, mas você foi irredutível. Você não me dá escolha, a não ser tomar o mesmo caminho. E mesmo assim, ainda serei benevolente com você, mesmo sem merecer...

O início do discurso pareceu fazer o escultor lembrar de imediato com quem estava falando, pois tratou de abrir a porta completamente e corrigir sua postura. Mesmo sendo mais alto que Christian, este ainda lhe parecia mais intimidador. Seu olhar era de desdém e sua postura era altiva, imponente. Sua voz era firme e seus olhos não saíam da mira dos de Tristán:

- ... portanto, dou-lhe um ultimato. Você, Tristán Alma, tem sete dias para me apresentar qualquer quantia em dinheiro que lhe ajude a sanar, total ou parcialmente, seu débito com a família Lobos. Do contrário, resolveremos nossas diferenças frente a um Impositor. As medidas passam a valer neste instante.

O senhor parecia ter lido um discurso, mesmo que não estivesse contando com qualquer papel consigo para fazê-lo. Do contrário, seu valete, anotava as palavras rapidamente, certificando-se de que não esquecera nada. Um segundo de silêncio fez-se, e Christian deu as costas para Tristán, e disse, sem olhar para trás:

- Vejo você em uma semana, senhor Alma.

E partiu.

Memento MoriDär berättelser lever. Upptäck nu