Capítulo 1-O bilhete

61 24 36
                                    

1950

 Uma pincelada para lá, uma pincelada para cá. Lorenzo começou a pintar depois de uma discussão que teve com Domênica. Ele era profundamente grato a ela e a família por terem o acolhido naquele fático dia em que ele perdeu toda sua família. Mas aquela mulher era insuportável. Ela não gostava dele, e tudo piorou com a morte do patriarca da família, Roberto. Lorenzo realmente questionava por que ainda permanecia naquela casa. Mas, na verdade, ele sabia sim. Continuava ali por causa de Donatella, unicamente por ela. Ela o acolheu em seus momentos mais difíceis, o abraçou enquanto ele chorava. Lorenzo devia admitir que sentia algo por Donatella, algo a mais do que um carinho de irmãos. Talvez um dia Lorenzo tenha coragem de confessar seus sentimentos a Donatella.

Lorenzo mergulhou o pincel na tinta amarela, olhando para a tela que havia algumas pinceladas de cores vibrantes, como verde e azul. Lorenzo olhou para os outros quadros pintados que decoravam o quarto. Alguns de sua autoria, já outros de outros pintores, em meio essas obras tinham uma que se destacava. A pintura de nome 'A noite estrelada', do falecido pintor Vicente Van Gogh.

Lorenzo era um grande admirador do falecido pintor do século 19. Ele conheceu a história de Van Gogh quando tinha seus quatorze anos, um ano antes dos alemães invadirem a Polônia e toda a catástrofe da Segunda Guerra Mundial começasse. Lorenzo viveu sua adolescência em meio a guerra praticamente, já que no ano seguinte ao início da Segunda Guerra Mundial, Mussolini se aproximou da Alemanha nazista, fazendo o caos se instaurar no país italiano.

Ele se lembrava de tudo muito bem: dos tanques de guerra, das invasões, de tudo. Sua falecida irmã tinha apenas três anos quando tudo começou. Uma pequena criança que teve um trágico fim, assim como milhões de outras pessoas. Lorenzo nunca se esqueceria de toda maldade humana que presenciou.

Tentando afastar os fantasmas do passado, Lorenzo voltou a concentrar-se em sua pintura. Então, ele ouviu um barulho sorrateiro e virou-se para o lado, deparando-se com um copo caído no chão. Já não se assustava mais com essas ocorrências, pois haviam se tornado rotineiras em sua vida. Objetos caindo inexplicavelmente sempre que estava sozinho. Lorenzo brincava que devia ser sua irmãzinha tentando avisar que estava ali com ele.

Deixando o pincel de lado, Lorenzo caminhou até o copo caído no chão, se agachando para pegá-lo em seguida. O som de batidas na porta ecoou pelo quarto e em seguida uma voz suave. —Lorenzo, posso entrar? —Era Donatella.

—Claro, entre. —Lorenzo recolheu o copo do chão enquanto liberava a passagem da mulher. Assim que colocou o copo de volta no lugar, a porta foi aberta, revelando a figura de uma linda mulher de traços finos e angelicais. Ela estava segurando uma caneca em cada mão, de cor sólida, então não dava para saber o que havia dentro deles, somente se via a fumaça subindo, entregando que era uma bebida quente.

—Eu soube que discutiu com minha mãe. —Donatella empurrou a porta com a ajuda de um dos seus pés, ou melhor, da prótese.

—Sei que ela é sua mãe, mas se veio aqui para defendê-la, eu dispenso.

—Não vim para defendê-la, só quero saber o que aconteceu. —Donatella entregou uma das canecas que segurava para Lorenzo. Direcionando seu olhar para a caneca, ele viu que era leite quente.

—Obrigado.

—Vai me contar o que aconteceu? —Donatella se sentou na cama, bebendo um gole do leite quente.

—O mesmo de sempre. Ela fala que eu sou um estorvo, que eu sou um imprestável iludido que acha que minha arte irá dar algum dinheiro. —Lorenzo apertou sua mão em volta da alça da caneca, levando até sua boca e bebendo um gole do líquido em seguida. —Sinceramente, estou cansado dela me tratar assim com tanta indiferença, minha vontade é de sair dessa casa e jamais voltar novamente.

Me and the devilUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum