CAP. 1.2 (...) Staying cool

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Ter fechado o restaurante foi uma boa ideia. Não pelo fato de que se não o tivesse feito, Harry provavelmente estaria em inúmeros sites de fofoca pela manhã. Não, isso "também" é um motivo, mas não o único. 
Do meu ponto de vista, foi bom ele ter reservado o local porque nós ficamos por horas conversando. Madrugada à dentro, sobre tudo e todos.
Os anos de jogatina sem conversas pessoais foram quase que completamente suprimidos nas horas que passamos ali, comendo sushi e falando sobre tudo e nada.
- Ok, mas porque neurocirurgia?
Ele me pergunta, e resolvo devolver a pergunta.
- porque música?
Harry ri, e se ajeita na almofada da cabine antes de responder.
- eu gosto de pensar que não escolhi a música, ela que acabou me escolhendo. Desde que consigo me lembrar, eu canto, e não foi uma decisão consciente.
Arqueio a sobrancelha e dou um gole do meu refrigerante
- Ah, conta outra.
- É sério, Cassie - ele ri baixo - quando eu era criança, eu costumava cantar Elvis para os meus avôs; cantava Shania Twain junto com a minha mãe no carro, ou Meat Loaf enquanto ouvia música com o meu padrasto. A música sempre esteve lá, e era tanto um refúgio quanto uma diversão. Sempre foi confortável cantar. Aí quando eu entrei no ensino médio, eu e meus amigos montamos uma banda.
Estreito os olhos, adivinhando o motivo na mesma hora.
- pra pegar garotas?
Pergunto e ele ri, mas não nega a suposição. Na verdade, confirma.
- é, pra pegar garotas.
Rio com a resposta sincera, e ele bebe um pouco de coca-cola antes de se defender.
- eu estava no ensino médio, mais da metade das coisas que fazemos no ensino médio é pra pegar garotas.
Faço uma careta.
- fale por você, eu estudava ok? e muito
Ele me olha com uma cara de quem não está acreditando muito no que escuta, e continuo o interrogatório.
- tá, mas como um garoto que tem uma banda com os amigos pra "pegar garotas", se tornou...bom, vencedor de um grammy?
Ele me corrige, com uma postura arrogante muito mal dramatizada.
- Grammys, no plural
Dou uma gargalhada.
- Ok, Grammys. No plural
Me corrijo e ele sorri, o que deixa os olhos verdes dele bem brilhantes. É um assunto que ele gosta. Que sente orgulho de falar. Eu também sentiria.
Ele passa a mão pelo rosto de forma descontraída, e me encara.
- você tá escrevendo um perfil meu pra algum site?Rolo os olhos, e respondo de forma simples
.- não, mas você me perguntou o porque escolhi a neurocirurgia, e eu quero saber o porque você escolheu a música, como aconteceu pra você se tornar quem é hoje em dia.
Harry arqueia a sobrancelha, e se inclina pra frente como quem está sondando algo.
- você também foi escolhida, é? Por isso é quem você é, hoje em dia?
Assinto, olhando pra ele com uma expressão desafiadora.
A escolha de palavras dele me deu liberdade pra isso. Ele também gosta de interrogar, aparentemente.
- Sim, e quer saber como? Quando minha melhor amiga teve uma convulsão bem do meu lado.
Qualquer um iria parar por ali. Nessa resposta que eu dei. Geralmente quando falo sobre o motivo por ter escolhido a Neurocirurgia, as pessoas simplesmente aceitam e não me pedem mais detalhes. E se eu entrar em um monólogo sobre o luto, ou sobre como a minha amiga sofreu sequelas com a convulsão e nunca mais foi a mesma? Ninguém quer ficar falando sobre as duras penas da medicina, da vida e da morte.
Qualquer um mas não Harry.
- É mesmo?
Ele aceitou o desafio.
Quer ser o interrogador dessa vez.
O que me faz pensar que ele está tão curioso sobre as minhas razões, escolhas e resultados, como estou sobre os dele. Eu não ganhei grammys, mas saí de um bairro fodido de Liverpool, e me tornei o que eu sempre sonhei. Também tenho meus méritos, e ele está curioso sobre isso.
- Você é uma daquelas pessoas que agem em momentos decisivos, então.
Assinto pra suposição dele.
- Eu preciso ser. Numa sala de cirurgia não há muito tempo pra ficar divagando sobre as opções disponíveis. Agir é o que faz a diferença entre a vida e a morte. Preciso saber todas as técnicas e ter certeza que vou optar pela melhor, mesmo que automaticamente.
Ele assente, e parece interessado. Pensativo, sobre o rumo da conversa.
- você já perdeu alguém?
Mastigo a peça de sushi que estou comendo, e só depois respondo.
- no geral, ou você quer saber se a minha amiga morreu?
Bebo mais um gole do refrigerante. Na verdade eu já estou satisfeita, só estou comendo porque ele está comendo e não quero que ele pense que eu sou mal agradecida ou algo do tipo. E também não sei quando vou ter tempo pra comer um bom sushi novamente.
- Ambos – Respondo.
Harry  dá de ombros, mas me olha atenciosamente. O que são duas ações um tanto controversas. O dar de ombros indica displicência, e o olhar...concentração. Ele quer parecer casual mas está realmente interessado no que eu tenho à dizer. Isso acaba por me deixar à vontade na presença dele, mesmo que de início ela tenha sido um tanto quanto...sufocante. Qual é, a pessoa mais famosa que eu já estive perto, foi o maquiador da Pixie Lott, quando ele quebrou o pé dois anos atrás.
- No geral...já. As vezes sob a minha responsabilidade direta, as vezes enquanto eu auxiliava colegas de outras especialidades em um atendimento...a morte é sempre presente em um trabalho como o meu. Mas, a alegria de curar alguém acaba sendo maior que o luto. Eu preciso confiar que sou capaz, e confiar no que me foi ensinado para poder ajudar essas pessoas que vêm até mim.
Perguntar sobre a minha profissão é o maior erro que alguém pode cometer, eu sou completamente apaixonada pelo que eu faço e posso passar horas e mais horas falando sobre medicina.
- E não, minha amiga não morreu nem teve complicações alguma. Na verdade, Angela faz residência comigo, no London Medical Center. Quando ela teve essa convulsão nós estávamos na faculdade, e eu tinha certeza que me tornaria cirurgiã plástica. Eu fui, como você disse, "escolhida" pela minha especialidade.

       Harry e eu conversamos sobre nossas carreiras, que não são similares em nada senão na carga horária. Eu faço plantões intermináveis e as vezes posso rodar por até 48 horas seguidas (que meu chefe não descubra isso) e, quando está em turnê, o trabalho dele também é exaustivo. De formas diferentes, o principal ponto em comum que notamos é que: nós dois vivemos trabalhando. O tempo todo, à todo momento, sem muito critério de dia ou horário.

- Eu só queria entender se você joga antes ou depois de ir gravar – brinco, e ele ri.
- Eu acho que você joga durante as cirurgias, "abre um cérebro aqui e faz um headshot ali".
Dou uma gargalhada
.- "O curioso caso dos workaholics viciados em Call of Duty", um estudo de caso de Cassandra Brooks e Harry Styles.
Harry ri, e apoia o rosto na mão, me olhando. Sustento o olhar dele, ainda sentindo aquela sensação que senti antes. É fácil conversar com ele. Posso parecer precipitada, mas aqui na minha frente ele não é o ídolo mundial que leva multidões à loucura desde os 16 anos. Não, aqui sentado nessa almofada e comendo sushi, Harry é o EddardSt69, que joga online comigo à anos, e que acabou se mostrando não um pivete ou um troll, mas sim um cara divertido e inteligente, com quem eu conversei sobre várias coisas. Desde Van Morrison - de quem ele é muito fã e falou por minutos sobre a música "Madame George" - à medicina, que é a minha paixão.
- Você vai jogar hoje? – Ele me pergunta, e dou um sorriso cansado. Eu queria responder que sim. Queria mesmo.
Apoio meu rosto na mão, espelhando a pose dele inconscientemente.
- Ah, hoje não. Eu acabei de sair de um plantão e estou exausta, preciso muito de uma noite inteira de sono.
Harry assente, e mexe no bolso do moletom. Vejo ele pegar o celular, e me olhar com um sorriso de lado.
- Nesse caso, você pode me passar seu número?

Cassandra's HouseOù les histoires vivent. Découvrez maintenant