CAPÍTULO 14 - NIARA

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Prometi a mim mesma, em alguma época do passado, que nunca mais me deixaria abalar. O medo só enfraquece. Porém, olho assustada enquanto Dagurasu se debate na maca. Três pessoas quase não são o bastante para contê-lo. O medo estampado naqueles olhos puxados e paralisados. O que está se passando naquela mente? O tóxico liberou o monstro que o assustava.

Antes que eu possa julgá-lo, sinto minha cabeça ferver e o estômago embrulhar. Efeitos diferentes para o mesmo objetivo.

Por um instante, Denis tira as mãos da cabeça de Dagurasu e olha para mim. Não me permito dar trabalho. Meu último olhar para Denis indica que ele deve continuar ajudando o garoto.

Deixe-me apenas alcançar meus fantasmas.

* * * * *

Por que usamos armas agora? Os tempos mudaram, assim como não se sabe mais quem é a caça e o caçador. De joelhos e com mãos amarradas na savana, seu último olhar me encontrou escondida nas moitas.

"Não deixe que isso assuste você e a faça desistir de lutar por esse lugar".

Uma frase subentendida antes do eterno anoitecer.

Duas pessoas de raças diferentes, unidas pelo mesmo objetivo, se apaixonam. Minha mãe caminha comigo entre as cercas que protegem a reserva em Nairóbi. Meu pai, que ainda não era meu pai, chegou de uma vida coorporativa deixada para trás na Europa.

Os leões corriam em sua direção para um carinhoso abraço e o derrubavam. Mamãe se posicionava como uma muralha diante dos interesses duvidosos para com a reserva.

O mundo está entrando no modo de bateria fraca, e ela achando que ia manter o lugar intocável.

A camada de guerreira africana deixou meu pai de queixo caído. Cá estou, fruto dessa união.

O sangue correndo nas minhas veias anunciava minha pretensão de proteger um lugar, um povo e outras vidas que se moviam pela savana.

Minha mãe fugiu de uma tradição, mas lutava com esse peso na consciência. Ela escapou de mutilações tribais e procurou refúgio na capital. Nunca teve vergonha de expor sua origem. Com histórias sobre leões que rondavam sua tribo, ela pintava meu rosto de vermelho e fazia várias tranças no meu cabelo. A herança de uma vida de aventuras veio com seus perigos.

Estou eu correndo em jipes e caminhões. Chegamos tarde. O corpo está inteiro; apenas o chifre foi tirado. Uma semelhança? Apenas uma parte foi tirada de mim. O restante luta para manter vivo o lado mais fraco. Reservas e fronteiras estão sob meus olhos atentos.

No tempo onde todos, sem exceção, se juntam para evitar um colapso selvagem, fica a dúvida sobre quem sai vitorioso nesta guerra.

Tudo se torna estranho quando entra a violência. Já vivenciei isso. Tornou-me dura como rocha. Os dois bem que podiam ter desistido dessa vida por minha causa, mas eles foram arrancados rapidamente sem que pudessem olhar para trás e escolher a mim.

Ainda tenho muito pelo que lutar e proteger. Um deserto se espalha rapidamente. Nem mesmo oásis. Carcaças paralisadas como se estivessem apenas aguardando o rio secar; a morte inevitável.

O que vai acontecer quando a fonte secar? A pergunta chega ao sol que se põe longe, na visão mais bela do dia. Pescoços longos entres as árvores, manadas em sincronia e aves num delicado balé.

Um estrondo interrompe a paz e a destrói sem piedade. Uma explosão. Entre bases e acampamentos, estou eu debruçada, cercada pelas chamas da extinção. Um doloroso corte me mantém imóvel.

Apenas observo gaiolas em movimento. Finalmente um vencedor — se essa era a dúvida.

Um lugar movimentado e urbano chamado Capital. Um passado me persegue. Tento deixar para trás, mas algumas cicatrizes são eternas. Savana e cidade caminham para uma mesma direção agora, no curto caminho poeirento.

Onde o mundo é apenas deserto.

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