CAPÍTULO 1

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Quisera eu poder ficar muito tempo na barraca de iguarias amazônicas (Cauã ficava impressionado quando me via destroçando um peixe repleto de espinhos)

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Quisera eu poder ficar muito tempo na barraca de iguarias amazônicas (Cauã ficava impressionado quando me via destroçando um peixe repleto de espinhos). Cartazes rústicos espalhados por todos os lados, em cada estrutura, exibem meu rosto.

A nova cor — entre grisalho e prateado — do meu cabelo e o forte clareamento artificial na pele me mantém disfarçado entre a multidão em uma cidade populosa. Nem tanto! Um cabelo prateado e uma pele fajutamente clareada pairam como aberrações, sendo eu de pele morena e cabelos escuros espetados.

Encobri o pequeno sinal marrom no queixo com um corante esquisito. Cauã diria que seria impossível esconder meus grandes olhos castanho-escuros. Um casaco marrom-claro e calças ligeiramente justas para não fugir muito do estilo local. Meus óculos de grau antirreflexo são mais um disfarce. Eles exibem um mapa da zona urbana de toda a capital da Província Oeste.   

 Ah! Já sinto a dor só de pensar no flexionar do meu joelho esquerdo. "Ele anda mancando", descreveu um alerta provinciano sobre mim. Com uma pró- tese metálica, tento amenizar o andar difícil. Isso foi obra da minha infância nada estática. Não me lembro nem um pouco do dia ou do momento exato do acidente no rio. Recordo-me vagamente de um corte e muito sangue.

As pessoas que transitam de um lado para o outro parecem não se importar com as denúncias, todas exibindo o mesmo aviso:

ALEX NAAMURÃ, FUGITIVODA PROVÍNCIA OESTE. RECOMPENSA PELA CAPTURA:10 MIL SIZOS.

Como chegamos a esse mundo? Uma partícula de poeira e sombra jogada pelo tempo no infinito universo. "Não desejaria um desesperador destino assim nem para meu pior inimigo", reflito como se fosse minha a culpa. Uma vítima do tempo sugada por um ralo obscuro e despejada num caminho sem volta: assim se define a Terra agora.

Como um típico morador natural da região amazônica, nos meus trinta e dois anos, eu poderia estar relaxando em qualquer lugar natural com rios caudalosos ou embaixo de uma árvore (a natureza sempre me atrai de uma forma inexplicável). Porém, aqui estou, mastigando um filé horrível de peixe de viveiro, preocupado com os meus dependentes e atento a cada movimento ao redor. Enfim...

Quatorze de julho de dois mil quatrocentos e quarenta e sete: o dia em que o mundo se perdeu no tempo. Eis que surgiu a "Fúria". Tudo o que se sabe sobre ela é que se tratava de um artefato militar — uma arma. 

Entre várias teorias, argumentos e suposições, ninguém estava preparado para essa tecnologia. Uma guerra se espalhou pelo mundo. O desejo voraz pela posse da Fúria quase dizimou o planeta, que afundou num lamaçal de toxicidade e poeira. As poucas memórias que me restam são dolorosas demais para guardar. 

Meu passado se perdeu, e o que restou dele tenta sobreviver, assim como o mundo em cacos. Essa intrigante memória perdida é resultado do último golpe da misteriosa arma. Primeiro, as nações terrestres entraram num pacto e implantaram em cada país a chamada "desmemorização" — um plano de retirada e armazenagem de memórias. 

MAPSWhere stories live. Discover now