CAPÍTULO 7

45 10 41
                                    

Acordei na margem do igapó. A luz do sol burlava as árvores para iluminar a selva, que, por sinal, estava diferente. É fácil perceber uma mudança que ocorreu de forma natural ao longo dos anos. Aquele igapó estava diferente desde que o visitei quando criança até a segunda visita com Cauã: alguns caminhos estavam mais estreitos devido ao crescimento da vegetação. Mas, em alguns minutos de inconsciência, o meu mundo não era mais o mesmo. Ele engoliu meu filho e se transformou em algo diferente.

Olhei para o meu joelho e lá estava ela: a prótese metálica e flexível, ajustada perfeitamente para que eu pudesse caminhar sem dificuldades. Minha reação inicial foi tentar arrancar bruscamente o objeto. As tentativas foram frustradas, mas tiraram sangue da minha perna.

A água estava emitindo um brilho constante e esbanjava pureza — aparentemente. Afastei-me do leito seco em direção ao meio do igapó e mergulhei, a fim de procurar aquele estranho objeto luminoso, pois sabia que ele tinha a ver com o sumiço de Cauã. Ignorei a dor intensa e forcei menos a perna machucada durante o nado.

Por um momento, senti-me mergulhado em uma gigante tigela com água. Uma estranha transparência me cercava. A intensa luz do sol penetrava o lençol de água. Essa forma diferente de visualizar um rio amazônico me fez enxergar algo assustador.

A sensação de medo e de impotência invadiu meu peito pela segunda vez desde que escutei os pedidos de socorro do meu filho.

Um tronco extremamente grosso exibia sua imponência abaixo da superfície. Próximo a ele, vi o que parecia ser outro pedaço de árvore. Quando descobri que minha visão havia me enganado, eu estava perto mais. Tratava-se de uma sucuri extraordinária. Seu corpo estava parcialmente enrolado ao tronco. Não consegui enxergar a cabeça, o que me fez tremer.

A cada segundo, tinha a sensação de estar sendo surpreendido e atacado por aquela cobra gigante, mas um alívio passageiro pairava sobre minha cabeça ao pensar que eu era pequeno demais para aquele animal enrolar seu corpo no meu. Seria mais fácil para ela me engolir inteiro.

Uma diminuta partícula flutuando — foi assim que me senti. Tal sensação não ajudou em nada quando lembrei que Cauã não estava ao meu lado, que o tinha perdido. Aquela sucuri estava descansando após uma refeição, mas eu não queria ser a sobremesa dela. Por isso, nadei de volta à superfície.

Ao olhar para o outro lado da margem, vi a origem do reflexo na água: uma árvore com uma forte coloração dourada. Claramente, ela se destacava entre a floresta. Um ar pré-histórico pairava no ar. Além do tom verde vivo, as folhas de outras árvores emitiam um estranho brilho.

Talvez fosse a ideia conturbada de estar conhecendo outro mundo ou eu estava realmente ouvindo a voz da minha mãe dizendo que eu não precisava tocar em tudo que despertava minha curiosidade. Ignorei totalmente a advertência que rodeava minha consciência naquele momento e toquei em uma das folhas. A sensação era de estar tocando em um pedaço de plástico, mas a estrutura interna da folha era bem visível. Uma imitação bem elaborada de uma árvore?

Meu instinto de continuar explorando a mata reluzente foi barrado por uma paralisia em minhas pernas. Por reflexo, passei uma das mãos na região acima do meu lábio superior e meus dedos estavam manchados de sangue. Eu deveria ter escutado a voz da minha consciência. Ao cair imóvel no chão lamacento, pude notar a exuberância das árvores luminosas. Era o perfeito significado da palavra retrofuturista — algo novo e antigo se entrelaçando de maneira harmoniosa.

Uma luz azul pairou por um tempo no ar e começou a descer vagarosamente na minha direção. Antes de apagar completamente, consegui ver de perto a estrutura do drone em forma de vespa que pousava suavemente ao meu lado.

* * * * *

Meus olhos se abriam lentamente enquanto sons familiares despertavam lembranças. Era como se eu estivesse no pequeno quarto compartilhado com irmã e irmão mais velhos. Um triliche metálico cor de vinho a cada dia sendo presenteado por uma marca de ferrugem. Sendo eu o mais novo — com oito anos —, pude escolher em que andar dormiria. É claro que escolhi o terceiro, pois, para uma criança, não se tratava apenas de noites de sono em um colchão fino. Era muito mais: uma viagem, uma aventura, uma jornada nas alturas, o tocar no céu, o poder de voar.

MAPSWhere stories live. Discover now