Superego

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     Em dias de chuva, é comum que apareça mais caramujos do que o normal e admito que desde novo sempre tive medo de tocar em um, o nome da doença que eles passam era tão grande que me lembro de, quando novo, pensar: "Esse nome é tão difícil que deve matar mais do que qualquer outra doença". Minha vó um dia me disse que ao jogar sal neles, eles morreriam e assim evitaria que eles comessem as plantas do quintal, então fui testar e vi que eles estavam derretendo e comecei a chorar, então perguntei a minha avó:

— Vó, por que eu tenho que matá-los? Não posso apenas levá-los para outro lugar? - perguntei, curioso.

— Bem, querido, você até pode fazer isso, mas pense bem, estará apenas transferindo o problema para outra pessoa no futuro - respondeu minha avó com serenidade.

— Mas, vó, as plantas não foram cultivadas para serem comidas? - insisti, buscando entender sua perspectiva.

— Ah, as plantas da sua mãe não foram plantadas com esse propósito, meu filho. Ela as cultiva para decorar a casa e trazer beleza ao ambiente - explicou minha avó.

— Do que adianta cuidar de algo que só vai servir pra trazer beleza? - questionei, ainda intrigado.

Minha avó sorriu e disse, com sabedoria: — Um dia você entenderá.

     Hoje, mesmo sem tê-la mais ao meu lado, consigo entendê-la, existem males e males, nós humanos somos intrinsecamente egoístas e vaidosos, me lembro de querer esganar minha cadela filhote por ter destruído toda a minha plantação de alface, que ironicamente foi comida por caramujos ao final do dia. Embora os alfaces viessem a ser comidos um dia, não era meu real interesse inicialmente, eu só desejava algo para enfeitar meu quintal e dedicar parte de meu dia.

     Mas sinto que confundo o mal necessário com mal desnecessário, me lembro de gritar, julgar ou mentir e ao final de tudo, dizer que era necessário, era conveniente, embora eu sinta que existe uma linha tênue entre o bem e o mal, sinto misturá-las as vezes, ser bom não me impede de ser mau, e vice-versa. Existem pessoas andando por ai com feridas que eu criei ou abri, com cicatrizes que estariam curadas mas eu com alguma ação, as trouxe de volta a memória, no final, estamos suscetíveis a erros, mas isso não tira a minha responsabilidade.

     Quando vou despir minha alma, vejo suas feridas mais profundas, de palavras, ações ou olhares feitos por terceiros, mas no final, não importa qual seja a ferida que os outros tenham me feito, é meu dever cuidar e curar delas, mas ao invés disso, me sinto no direito de nutrir rancor, ódio e aversão àqueles que nem mais se lembram de seu mal, percebo dia após dia como o bem que eu sinto contagia a eu mesmo e a todos a minha volta, mas o mal que sinto rasga meu âmago. 

     No final, eu deveria parar de viver como água e óleo, como bem e mal, se eu vivesse feliz e grato, sinto que minha vida seria mais leve, me desculpando a todos aqueles que fiz mal e jogando fora toda a culpa que sinto em meu peito, jogando fora também toda a mágoa daqueles a quem me fez mal, parando de cutucar as feridas e permitindo que elas se curem, no final de contas, sou apenas um, e é assim que deve ser.


Tudo é minha culpaWhere stories live. Discover now